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UM ESPÍRITO CULPADO

(Comunicação espiritual que consta na Revista Espírita de 1860).

      Vou contar-te o que sofri quando morri. Retido no corpo pelos laços materiais, meu Espírito teve grande trabalho para se desprender, o que foi uma primeira e rude angústia. A vida que havia deixado aos vinte e quatro anos era ainda tão forte em mim, que não cria na sua perda. Procurava meu corpo e estava admirado e apavorado por me ver perdido nessa multidão de sombras. Por fim, a consciência de meu estado e a revelação das faltas que havia cometido em todas as minhas encarnações, me feriram de repente. Uma luz implacável esclareceu os mais secretos refolhos de minh’alma, que se sentiu nua e tomada de acabrunhadora vergonha. Eu buscava escapar, interessando-me por objetos novos, entretanto conhecidos, que me cercavam; os Espíritos radiosos, flutuando no éter, me davam a ideia de uma felicidade à qual eu não podia aspirar; formas sombrias e desoladas, umas mergulhadas em morno desespero, ouras irônicas ou furiosas, deslizando em meu redor e sobre a terra à qual eu ficava pregado. Via os humanos se movimentando e lhes invejava a ignorância. Toda uma ordem de sensações desconhecidas ou reencontradas invadia-me ao mesmo tempo. Como que arrastado por uma força irresistível, buscando fugir a essa dor lancinante, eu transpunha as distâncias, os elementos, os obstáculos materiais, sem que as belezas da Natureza nem os esplendores celestes pudessem acalmar um instante o dilaceramento de minha consciência, nem o pavor que causava a revelação da eternidade. Um mortal pode pressentir as torturas materiais pelos arrepios da carne; mas as vossas frágeis dores, suavizadas pela esperança, temperadas pelas distrações, mortas pelo esquecimento, jamais vos poderão dar a compreender as angústias de uma alma que sofre sem tréguas, sem esperança, sem arrependimento. Passei um tempo, cuja duração não posso apreciar, invejando os eleitos, cujo esplendor entrevia, detestando os maus Espíritos que me perseguiam com suas troças, desprezando os humanos, cujas torpezas eu via, passando de um profundo abatimento a uma revolta insensata.

     Por fim, me acalmaste. Escutei os ensinos que te deram os teus guias. A verdade me penetrou, eu orei: Deus me ouviu. Revelou-se a mim por sua clemência, como se havia revelado pela sua justiça.

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