Estrada de Ferro mais alta do Brasil situa-se em Campos do Jordão SP. Foto iap

SENHORES DO FUTURO

(Comunicação do Espírito Alphonse de Lamartine2 - Revista Espírita de 1869)

     Um amigo, grande poeta, escrevia-me em dolorosa circunstância: “Ela é sempre vossa companheira, invisível, mas presente; perdestes a mulher, mas não a alma! Caro amigo, vivamos nos mortos!”1 Pensamento consolador, salutar, que reconforta na luta e faz pensar incessantemente nesta sucessão ascendente da matéria, nesta unidade na concepção de tudo o que é, neste maravilhoso e incomparável obreiro que, para a continuidade do progresso, liga o Espírito a esta matéria, por sua vez espiritualizada pela presença do elemento superior.

     Não, minha bem amada, não perdi tua alma, que vivia gloriosa, cintilante de todas as claridades do mundo invisível. Minha vida é um protesto vivo contra o flagelo ameaçador do ceticismo, sob suas múltiplas formas. Ninguém, mais que eu, afirmou energicamente a personalidade divina e acreditou na personalidade humana, defendendo a liberdade. Se o sentimento do infinito estava desenvolvido em mim, se a presença divina palpita em páginas entusiásticas, é que eu devia abrir a minha trilha; é que eu vivia da presença de Deus e essa fonte, jorrando incessantemente, sempre me fez crer no bem, no belo, no direito, no devotamento, na honra do indivíduo e, mais ainda, na honra da nação, essa individualidade condensada. É que minha companheira era uma natureza de escol, forte e terna. Junto dela, compreendi a natureza da alma e suas íntimas relações com a estátua de carne, essa maravilha! Assim, meus estudos eram espiritualizados, por consequência fecundos e rápidos, voltando-se incessantemente para as formas do belo e a paixão das letras. Casei a Ciência ao pensamento, para que, em mim, a Filosofia pudesse servir-se desses dois preciosos instrumentos poéticos.

     Por vezes minha forma era abstrata e não estava ao alcance de todos; mas os pensadores sérios a adotaram; todos os grandes espíritos de meu tempo me abriram suas fileiras. A ortodoxia católica me olhava como uma ovelha fugindo do rebanho do pastor romano, sobretudo quando, levado pelos acontecimentos, partilhei a responsabilidade de uma revolução gloriosa.

     Arrastado um momento pelas aspirações populares, por esse poderoso sopro de ideias comprimidas, eu não era mais o homem das grandes situações; tinha terminado a minha jornada e, para mim, no relógio do tempo, soavam as horas de lassidão e desencorajamento. Vi o meu calvário e, enquanto Lamartine o subia penosamente, os filhos desta França tão amada lhe cuspiam no rosto, sem respeito aos seus cabelos brancos, o ultraje, o desafio, a injúria.

     Prova solene, senhores, na qual a alma se retempera e se retifica, porque o esquecimento é a morte, e a morte na Terra é o comércio com Deus, esse distribuidor judicioso de todas as forças!

     Morri como cristão; tinha nascido na Igreja e parto antes dela! Há um ano, eu tinha uma profunda intuição. Falava pouco, mas viajava sem cessar pelas planícies etéreas, onde tudo se refunde sob o olhar do Senhor dos mundos; o problema da vida se desenrolava majestosamente, gloriosamente. Compreendi o pensamento de Swedenborg e da escola dos teósofos, de Fourier, de Jean Reynaud, de Henri Martin, de Victor Hugo, e o Espiritismo, que me era familiar, embora em contradição com os meus preconceitos e o meu nascimento, preparava-me para o desligamento, para a partida. A transição não foi penosa; como o pólen de uma flor, meu Espírito, levado por um turbilhão, encontrou a planta irmã. Como vós, eu a chamo de erraticidade; e, para me fazer amar essa irmã desejada, minha mãe, minha esposa bem-amada, uma multidão de amigos e de invisíveis me cercaram como uma auréola luminosa. Mergulhado nesse fluido benéfico, meu Espírito se serenava, como o corpo desse viajor do deserto que, após uma longa viagem sob um céu de chumbo e fogo, encontrava um banho generoso para o corpo, uma fonte límpida e fresca para a sua sede ardente.

     Alegrias inefáveis do céu sem limites, concertos de todas as harmonias, moléculas que repercutem os acordes da Ciência divina, calor vivificante de suas impressões sem nome que a língua humana não poderia decifrar, bem-estar novo, renascimento, completa elasticidade, elétrica profundeza das certezas, similitudes das leis, calma cheia de grandeza, esferas que encerrais as humanidades, oh! sede bem-vindas, emoções previstas, aumentadas indefinidamente de radiações do infinito!

     Permutai vossas ideias, Espíritas que acreditais em nós. Estudai nas fontes sempre novas do nosso ensino; firmai-vos, e que cada membro da família seja um apóstolo que fale, marche e se conduza pela vontade, com a certeza de que não dais nada ao desconhecido. Sabei muito para que vossa inteligência se eleve. A ciência humana, reunida à ciência dos vasos auxiliares invisíveis, mas luminosos, vos fará senhores do futuro. Expulsareis a sombra para vir a nós, isto é, à luz, a Deus.

(1) O Espírito refere-se a uma mensagem que Victor Hugo lhe enviara, quando encarnado, por ocasião da morte de sua mulher;  (2) Poeta francês (1790-1869), mestre dos poetas românticos entre 1820 e 1830). (Notas do compilador).

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