Crucificação de Pedro - Pintura de Caravaggio, pseudônimo de Michelangelo Merisi. 1571/1610

PEDRO, O APÓSTOLO

OBS.: Na extraordinária obra literária denominada "DOR SUPREMA", de autoria do Espírito Victor Hugo e recebida pela médium Zilda Gama, encontramos o tópico abaixo, quando Pedro transmite a quatro personagens, verdades e aconselhamentos, durante suas prédicas em Roma aonde veio a ser crucificado de cabeça para baixo.                www.febeditora.com.br/

     Já o dia esplendia em toda a sua plenitude, quando Pedro, com os olhos turvos de lágrimas, olhou os quatro entes ajoelhados a pouca distância; e, por um fenômeno comum nos videntes, distinguiu a aura de todos, podendo reconhecer as conquistas espirituais de cada um. Compadeceu-se mais do que estava ainda aureolado de sombras, Felício, que soluçava, não só de compunção por seus desvios às Leis divinas como de emoção e inefável felicidade, vendo, alfim, realizada a mais cara aspiração de sua existência...

     Pedro percebeu a sua emoção, e disse a todos os circunstantes, para o não magoar:

     - "Esquecei o passado e lembrai-vos do futuro milenário que tendes em perspectiva e que será tanto mais belo quanto melhores forem as vossas condições morais e espirituais... A dor é a consócia fiel da vida humana; - permanece nas choupanas e nos palácios reais. É inflexível Juiz para o delinquente, a fim de lhe dar, depois de resgatados todos os seus erros, a liberdade tentadora, com a alma diáfana, podendo adejar onde lhe aprouver... A dor, disse-nos Jesus, o inimitável propulsor de todos os Espíritos deste planeta de sofrimentos, é a pedra de toque de nossos sentimentos; com ela podemos aferir o ouro inestimável de nossa própria alma! Felizes os que saem vitoriosos da prova positiva!

     Ditosos os que a recebem - não por visita indesejável ou abominável, mas com doce serenidade... Chorar é humano, blasfemar é próprio dos ímpios. Venturosos os que, nas horas de angústias, não têm um brado de revolta, não imprecam contra a Divindade, não reclamam da Justiça celeste!...

     Felizes os que não se vingam das ofensas recebidas, os que perdoam aos seus adversários, ou aos seus companheiros  de peregrinação terrena; pois, todos nós, queridos, que somos senão itinerantes em viagem perpétua, que, por instantes apenas, aportam em algum país estrangeiro... e logo prosseguem a excursão até atingir as paragens siderais!... Realizam, assim, a trajetória sideral, tal já o fez Jesus, tal o faremos todos nós...

     É mister vencer todas as batalhas da vida com denodo invencível, tal qual ela se nos apresenta... Aproxima-se grande procela de dores, ou, antes, já estamos dentro dela! Que importa morrer pela Fé e pela Redenção de nosso Espírito? Que importa, se formos imolados por amor do que se deixou crucificar sem um gemido, sem um brado de maldição, antes alçando ao Firmamento os olhos luminosos, cheios de lágrimas, rogando ao Pai clementíssimo perdão para seus afensores, inscientes da vastidão do crime que estavam praticando, com o suplício de um Justo?

     Silenciemos, pois, nos instantes de provas, porque não sabemos avaliar a extensão de nossos delitos, tendo ainda as almas conturbadas pelas monstruosidades que já praticamos no passado secular! Soframos, amigos, todos os reveses, todas as injustiças, todos os suplícios, contanto que os nossos lábios e os nossos corações estejam purificados pelas preces e pelo Bem que estiverem ao nosso alcance praticar...

     Eis ao que devemos aspirar.

     Aqui, onde estão nossos pés, não é nossa pátria. Além, onde fulgem os astros, é nossa eterna Pátria! Aqui, somos banidos de nossas plagas natais, delas sempre nostálgicos. Nada, aqui, nos pertence, exceto a virtude e as nobres ações, que nos acompanham ao Céu! Eis nosso tesouro perene, que a ferrugem dos séculos não destrói... Ninguém no-lo pode usurpar - nem os ladravazes, nem a oxidação do Tempo infinito... É nosso. Deus o garante, guardando-o por sentinelas incorruptíveis - nossos Mentores espirituais - que o entregam intacto às suas mãos radiosas, quando findamos uma etapa terrena. Deus o recebe, com júbilo paternal. Deus o valoriza. Quem o possui, tem um passaporte para o Céu, ou, antes: para Regiões felizes do Universo! Não vos inquieteis, pois, quando o sofrimento cravar as suas garras aduncas em vossos corações... Abençoai-o, Amai-o. É o nosso consócio incessante nos prélios deste Planeta. Não nos abandona nunca, ao inverso da Alegria, que, raramente, adeja sobre nossas frontes, e, logo, alça o voo para as distantes paragens onde não há o erro, o delito, o ódio! Poderemos esperar a felicidade com que sonham todas as criaturas humanas, quando as almas se convulsionam de torturas morais e os corpos de nossos irmãos estão sendo devorados pelas feras, no Coliseu de Roma? Poderemos desfrutar a paz, quando a era atual é de lutas e ignomínias? Poderemos aguardar a Justiça dos homens, quando a idearam com os olhos vendados - qual se fora cega - para não reconhecer o valor da virtude, ou não fitar os olhos no lívido rosto dos infortunados, surda às suas imprecações de revolta e humilhação, escutando apenas as canções festivas e obscenas dos devassos mais poderosos da Terra? Amigos, todos os povos padecem do mesmo mal: falta de Justiça, espezinhações, cativeiro do corpo ou do pensamento. Tudo isso, porém, se transformará em vitórias e venturas incalculáveis! Consolemo-nos, pois, com todas as dores, todos os reveses, todos os tormentos que nos atingirem! Unamo-nos para formar um só exército invencível - o dos Legionários do bem - para a execução da obra grandiosa que tem por lema: Redenção Espiritual! A batalha será renhida; incontáveis combatentes cairão por terra, fulminados pelos dardos da adversidade para serem reerguidos nos planos siderais; por muitos séculos há de durar a luta, mas os que pelejaram, tendo a Jesus como General Supremo, há de fruir um triunfo compensador: a eterna Redenção!

     Cumprir as Leis divinas, sem relutância, vencendo todos os obstáculos que se antepõem à sua execução - eis a nossa  divisa!

     Perca-se o corpo, salve-se o Espírito! Não cogitemos do Mal, e sim do Bem que nos possa servir no cumprimento de nossos deveres, por mais penosos que sejam! Sois, também, doravante, Apóstolos do Bem e executores dos decretos do Soberano Universal; e, portanto, guardai no íntimo de vossos corações os conselhos de vosso velho amigo, que jamais vos há de abandonar, por todos os milênios do porvir!"

     O silêncio caiu naquele desolado local, podendo-se quase perceber o pulsar dos corações dos que se conservavam ajoelhados, os olhos enublados de lágrimas ardentes.

     Oscularam, todos, após, as mãos do venerável Apóstolo, que se levantou e abraçou cada um com paternal carinho.

     Felício, com voz trêmula, disse-lhe:

     - Mestre, todos os crimes podem ser resgatados? Todos podem alcançar o perdão divino?

     - "Sim, imitando a Jesus, meu filho; sofrendo sem revoltas as mais acerbas provas, injustiças, humilhações; sendo honesto e laborioso, abnegado, justo, manso de coração, sabendo perdoar e amar os seus ofensores - os desviados do carreiro do Bem e da Fraternidade, que deve existir entre todos os filhos do incomparável Progenitor de todos os Espíritos do Universo! Jesus ultimou seus padecimentos, crucificado entre sicários; e, ao que se arrependeu de seus crimes, chorando-os amargamente, e que recebeu o batismo da Fé no olhar boníssimo do Rabi, a este prometeu, generosamente: - 'Na verdade te digo que ainda estarás comigo no Paraíso!'".

     - Obrigado, mestre... não, Pai querido, único que encontrei na vida; e, se há mais tempo o soubesse, jamais me teria desviado do caminho reto do Dever e da Honra!

     - "Jesus te salvará e levará tua alma para o Céu!" - murmurou Pedro, impondo-lhe a mão sobre a fronte.

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