Rua em Évora - Portugal - foto iap
O ORGULHO E A FRATERNIDADE
(Comunicação do Espírito Eça de Queirós - Obra: Do País da Luz - Médium: Fernando de Lacerda).
Tu é que devias procurar libertar-te de nós, porque te somos companhia prejudicial.
Já te fizemos passar por maluco, por ignorante, por mistificador, por asno, por detestável escrevinhador de prosas bárbaras e de versos insulsos; e agora te arriscas a apanhar alguma sova de respeito, ou a seres tido e havido por agitador religioso, se continuas a deixar perceber a esse mundo emancipado e sábio que associas com companhias tão pouco recomendáveis, como são as dos mortos, e, de mais a mais, de mortos ignorantes, mortos que se não pejam de falar em Deus, nem de virem aconselhar a humildade, a caridade e a resignação, quando a moda obriga a renegar Deus, a praticar o Orgulho, proclamar a Fraternidade e a aconselhar a Rebeldia.
E, pensando bem, não sei se serão eles os que têm razão. Humildade, Caridade e Resignação! Ora! Isso serve só para fazer imbecis. Para fazer homens, para enrijar a fibra, nada como o Orgulho, a Fraternidade e a Rebeldia.
Há, realmente, nada mais belo que o orgulho, para nos imprimir a audácia e o brio de cidadãos livres, para nos espartilhar em vertical aprumo, fazendo-nos a todos superiores, sem que haja da raça ínfima se não os outros?
Há lá nada mais democraticamente nobre que o orgulho, que faz de cada pessoa antepassado de si própria, com ricos e bolorentos pergaminhos, conquistados, dia a dia, na rijas pelejas da má criação, ou pela alvar manifestação da sua ignorância ou da sua boçalidade?
Há nada mais cientificamente dignificante, que melhor nos endeuse, que melhor nos encarrapite no acume da pirâmide da fé, elevada por gerações sem conto, em século de dor, de penitência, de caridade e de grandeza, para fazer-nos de lá, do cimo, coisa semelhante à que faz qualquer pardal malcriado, do vórtice de alguma das pirâmides egípcias, com a mesma sem-cerimônia e com o mesmo desrespeito por quem derramou o seu sangue generoso no argamassamento daquela fé, com que o pardal usa para os artífices que ergueram as angulosas moles que vêm desafiando séculos?
E da Fraternidade? Que vos direi eu que vós todos não saibais já na ponta da língua, aprendido nos mais rendilhados discursos que a verborreia peninsular tem sabido modelar? A Fraternidade! Oh! a Fraternidade!
Quem a não sente? Quem a não conhece? Quem não topa com ela, aí, a cada pé de passada, pelas vielas escuras, pelas mansardas sombrias, nas noites de frio, nas horas da fome, a cobrir com o seu rico manto os miseráveis, os desgraçados, os sem pão - essa legião enorme de deserdados, que não têm a suprema ventura de pertencer à divina classe dos superiores, e que, como vermes rasteiros, são dos outros, dos inferiores, dos que vegetam em torno de soco1 em que assenta o pedestal dos felizes da terra!
Oh! A Fraternidade é uma coisa realmente bela. É a nova e celebrada madame Benoiton, em que todos falam... e que não aparece nunca. Quem a não conhece?
(1) soco = base quadrangular de um pedestal (Nota do compilador).