FELICIDADE
A MAIOR BATALHA - PRIMEIRA PARTE
OBSERVAÇÃO DO COMPILADOR: Alemães e franceses foram os protagonistas da maior batalha do nosso Planeta, havida nas cercanias da cidade de Verdun - França, por ocasião da Primeira Grande Guerra. De 21 de fevereiro a 19 de dezembro de 1916, mais de 700 mil combatentes foram mortos ou feridos. Segundo as estatísticas, 2.380 soldados foram atingidos por algum tipo de arma, em média diariamente; dentre eles, 880 desencarnavam. Daí o verdadeiro inferno que o Espírito de Antélio descreve neste artigo, descrição essa que o Espírito do grande escritor Victor Hugo colheu no Plano Espiritual para o nosso conhecimento.
Para melhor compreensão, compilamos sinônimos de palavras que nem todos os leitores têm conhecimento de seus significados.
Dividimos o artigo em 4 partes. Assim, será mais prática a leitura e ou a impressão.
- Partamos! - murmurou Antélio com lenidade1. Quero que assistais comigo à epopeia dolorosa, à tragédia máxima deste orbe, escrita com o sangue e as lágrimas de muitos mártires e heróis obscuros nas páginas imortais do Velho Continente... Aqui voltaremos sempre que as nossas lides espirituais no-lo permitam, atraídos pelos pensamentos dos entes que nos são caros e inesquecíveis...
Um surto rápido e prodigioso transportou-os para o outro lado da Mancha, e, como voejassem a pouca distância do solo, iam descortinando, celeremente, serras, aldeias e cidades, que começavam a ser ofuscadas num velário2 de trevas.
Repentinamente, um surdo ribombar, detonações uníssonas e retumbantes, produzido pelas descargas da artilharia de grosso calibre e das metralhadoras, semelhando trovões subterrâneos, chegou-lhes à audição apurada; frêmitos3 metálicos de aeroplanos fundiam os ares enfumarados, como se corvos de aço, grasnando selvaticamente, lutassem muito acima do globo terráqueo, disputando, com ferocidade, alguma presa ambicionada; estrupido4 de ginetes; entrechocar de armas brancas; vozes imperativas de comando; ululos de dor e de loucura; ruídos de carretas arrastadas precipitadamente, aquém e além das trincheiras; fumo denegrido, como saído de crateras cujas lavas fossem sulfurosas; coriscos vomitados de canhões formidáveis5 - evolavam-se promiscuamente do solo, onde se agitavam massas compactas de seres aguerridos, olvidados do Criador e de todas as crenças religiosas, naqueles momentos angustiosos, empenhados em mútuo extermínio...
- Aproximemo-nos, irmãos - disse ainda Antélio, emocionado e entristecido - desta região, com o mesmo recolhimento como se adejássemos sobre infinita Necrópole. Além deixamos Liège, Namur, Arlon, Malines, Dinant, Yprés, Louvain, Reims - uma constelação de ruínas - para determo-nos em Verdun ou Noyon... Vistes a aversão dos homens, por onde passamos: obras seculares, de Arte requintada, palácios monumentos, catedrais que pareciam filigranas de pedra, lavradas por escultores divinos, jazem mutiladas ou arrojadas ao pó - que tudo confunde na Terra, exceto a alma...
Eis as obras do egoísmo e da cobiça, posta em ação pelos déspotas do mundo. Há pouco essas regiões férteis e pacíficas eram núcleos populosos onde o labor entoava o seu canto glorioso, onde imperavam, nos lares honestos, o amor, a ordem, a abundância; e, agora, estão destruídos quais ninhos arrancados aos braços tutelares das árvores, arremessados ao furor dos vendavais...
As formosas urbs6 que conhecestes, ativas e industriosas, formam avalanches de escombros, parecem sepulcros profanados e não mais abrigos de homens laboriosos...
A treva reina onde havia as irradiações astrais das lâmpadas elétricas; o choro convulsivo ou o silêncio tumular invadem as casas ainda não derrocadas, onde as criancinhas trinavam risos e ora se refugiam desnudas ou famintas; soluçam corações maternos que, nutrindo com beijos e afagos os filhos estremecidos, foram forçadas a entregá-los à pantera sanguinária que se denomina Guerra; os véus nupciais transformaram-se em crepe; as esposas veem orfanados7 os filhinhos, que já não têm mais teto nem pão, como os párias8; há um gemido em cada peito opresso, uma lágrima em cada olhar febril - que já não fita o céu, mas pende para a floresta de cruzes, assinalando o sítio em que tombaram os heróis anônimos, onde feneceram todas as esperanças e ilusões de muitas almas em flor...
Por que se desencadeou este furacão tremendo, que ameaça derrocar a França, a Bélgica, a Rússia, a Sérvia - enfim, o Norte, o Sul e o Meio-dia9 da Europa?
Afirmaram-no a sequencia da ambição de corações ávidos de poderio, de conquistas territoriais e de sentimentos ultrizes10, sepultos durante decênios nos subterrâneos tenebrosos dos espíritos autocratas... Qual o pretexto? Asseveram-no a punição de quase regicidas11. É justo que, por causa de homicídios realengos12, se provocasse a hecatombe que estamos presenciando e ainda não terminará nestes próximos meses? A verdadeira origem dessa conflagração inominável não se acha no domínio dos povos. Estava, há muito, retida por fio sutil, sobre a Europa, como o gládio suspenso à cabeça de Dâmocles13. Os assassinos de Sarajevo romperam-no, e a espada formidável do máximo prélio travado neste planeta ameaça decapitar o Velho Mundo, corroído de ódios mal represos, represálias seculares, degradações inqualificáveis... Detenhamo-nos alguns momentos. Estais apavorados? Nada observastes ainda. Vamos rumo de Verdun, onde hoje se trava uma das mais encarniçadas batalhas, em que tomam parte milhares de beligerantes. Pairemos, irmãos queridos, nos seus arredores. Os tiroteios não cessaram desde o alvorecer. Venerandos edifícios foram demolidos, pulverizados. Baterias poderosas, assestadas nos lares destruídos, não emudecem há muitos dias. Parecem uivos de lobos famintos, ou rugidos de leões que enlouqueceram em jaulas asfixiantes...
O fumo dos incêndios e da pólvora invade as ruínas, que se tornam crateras, onde flutuam bulcões14 e se reúnem cúmulos infindos, apinhados no Firmamento, que dir-se-ia prestes a incinerar-se... Escutai os gemidos e murmúrios dos agonizantes, o estrugir ininterrupto das fuzilarias, as vozes alteradas de comando, o troar dos canhões, que parece mais intenso ecoado nos ares compactos e enegrecidos... Tem-se a impressão, amados companheiros, de que se ouve o incessante crocitar de um exército aéreo de abutres famulentos, chefiado pelo vampiro insaciável da Guerra, espanejando lugubremente15 sobre os campos de batalha, espreitando com insana alegria miríades de vítimas, para lhes sugar o sangue e dilacerar-lhes as vísceras...
Há gritos, lágrimas, suspiros amalgamados neste ambiente impuro; há, além, corações tangidos de saudade, lembrando-se dos entes caros que, aqui, longe dos lares, mas aproximados pelo pensamento, em campo raso ou adarvados16 pelas trincheiras, já deixaram pender as armas da mão gélida ou mutilada; há extermínio de monumentos e de esperanças; há bramidos de tigres indianos e agonias plácidas de cordeiros... Homens vesanos!17 quereis fixar vossos ideais, vossas ambições sobre a Terra e haveis de, sempre, vê-los reduzidos a lama...
Tiranos cobiçosos! esquecei-vos de que não vos pertencem, neste mundo, nem sete palmos de terra, e desejais alongar vossos efêmeros territórios com fragmentos de outras nações - onde não podeis dirimir as consciências, o civismo, a heroicidade de seus filhos, esquecendo-vos de que este mísero átomo do Universo - o orbe terráqueo - não é vosso, tem um único Soberano - Deus - ao qual tudo pertence e deveis prestar restritas contas de vossos atos?!
Quereis ampliar as fronteiras de vossas pátrias transitórias estreitando os horizontes de vossas almas imortais, que são partículas do Infinito? Insensatos! Quereis solos vastos - usurpando a sangue e fogo - nos quais deixais vossos cadáveres putrefatos, olvidando que tendes mundos etéreos e radiosos - pérolas do Oceano celeste - para escalar e conquistar com o exército da virtude e do aprimoramento moral?! Quereis ser caudilhos da Terra quando podeis ser soberanos do Espaço? Porque não preferis os assaltos gloriosos às plagas da Ciência, das Artes, da regeneração psíquica - mais valiosas que todas as batalhas napoleônicas e carlovingianas, mais meritórias que a descoberta de Colombo, pois este descobriu apenas a fração de um mundo e vós podeis ainda desvendar o Ilimitado?
Ai! é porque ignorais o objetivo do homem planetário - o verme da Terra, que se pode alar aos páramos siderais; é porque desconheceis as Leis divinas, que condenam o fratricídio, o assestar de armas contra irmãos e companheiros de jornada! Quando em vossos corações, deslembrados do Criador, penetrarem sentimentos de solidariedade e abnegação, não empunhareis mais carabinas e gládios, mas sim alviões,18 escopros,19 pincéis, penas, tudo quanto engrandece e imortaliza os povos e não os aniquila...
Vedes estes campos talados: o canhão substituiu a charrua; a fuzilaria emudeceu as canções dos campônios, o chilreio dos pássaros, o folguedo das criancinhas que, na atualidade, quando não são massacradas, estão famintas...
Parece que um ciclone violentíssimo devastou esta região, ainda há pouco próspera, produtiva, venturosa...
1 - LENIDADE - Suavidade; brandura. 2 - VELÁRIO - Toldo que se usava para cobrir e resguardar da chuva e do Sol os teatros e anfiteatros romanos. 3 - FRÊMITOS - barulhos; rumores. 4 - ESTRUPIDO - ruído causado por tropel de gente ou de animais. 5 - FORMIDÁVEIS - terríveis; pavorosos. 6 - URBS - cidades da Roma antiga. 7 - ORFANADOS - sem pais; estado de órfãos. 8 - PÁRIAS - Na Índia, nome dado a todos os sem casta, excluídos da Sociedade; homens desprezados. 9 - MEIO-DIA - Região Meridional. 10 - ULTRIZES - que vingam; que exercem vinganças. 11 - REGICIDAS - pessoas que assassinam um rei. 12 - REALENGO - Real; próprio de rei. 13 - DÂMOCLES - cortesão de Dionísio, o antigo (séc. IV a.C). Para fazê-lo compreender quão frágil é a felicidade dos tiranos (que Dâmocles muito invejava), durante um banquete Dionísio ordenou que ficasse suspensa sobre a cabeça de Dâmocles uma pesada espada mantida por um fio de crina de cavalo. 14 - BULCÕES - densos nevoeiros que antecedem as tempestades; nuvens de fumo. 15 - LUGRUBREMENTE - tristemente; fúnebre. 16 - ADARVADOS - murados. 17 - VESANOS - loucos; insensatos. 18 - ALVIÕES - espécie de enxadões, mas com duas extremidades, uma das quais ponteaguda como a das picaretas; presos a cabos de madeira, servem para cavar ou revolver terra; sacho. 19 - ESCOPROS - instrumento de aço que serve para trabalhar o mármore, metais, madeira.