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FALANDO COM UM ESPÍRITO ENCARNADO

(Allan Kardec - Revista Espírita de 1863)

     Estando em viagem, nosso colega, Sr. Delanne, nos transmite o relato seguinte, sobre a evocação de sua esposa, viva, que ficara em Paris.

     “... A 11 de dezembro último, estando em Lille, evoquei o espírito de minha mulher às 11h30 da noite. Ela me disse que uma de suas parentas casualmente havia dormido com ela. O fato deixou-me dúvidas, pois não o julgava possível. Mas, dois dias depois, dela recebi uma carta, confirmando a realidade. Remeto a minha conversa, que nada encerra de particular, porque oferece uma prova de identidade.

     - Estás aí, querida amiga? - Sim, meu grande (Era o seu termo favorito).

     - Vês os objetos que me rodeiam? - Vejo-os bem. Estou feliz perto de ti. Espero que estejas bem agasalhado! (eram 11h30; eu chegava de Arras; o quarto não tinha aquecimento; estava envolvido na capa de viagem e nem tinha tirado o “cachenez”.

     - Estás contente por ter vindo sem o corpo? - Sim, meu amigo. Eu te agradeço. Tenho o corpo fluídico, o perispírito.

     - És tu que me fazes escrever? Onde te postas? - Junto a ti; certamente tua mão tem dificuldade em mover-se.

     Estás bem adormecida? - Não, ainda não muito bem.

     - Teu corpo te retém? - Sim, sinto que retém. Meu corpo está um pouco doente, mas o espírito não sofre.

     - Durante o dia tiveste a intuição de que te evocaria esta noite? - Não; contudo não posso definir o que me dizia que eu te veria. (Neste instante tive um acesso de tosse). Tu tosses sempre, amigo; cuida-te um pouco.

     - Podes ver meu perispírito? - Não; só posso distinguir o corpo material.

     - Tu te sentes mais livre e melhor do que com o corpo? - Sim, porque não sofro mais. (Em carta posterior soube que ela estava indisposta).

     - Vês Espíritos em volta de mim? - Não, posto o deseje muito.

     - Receias estar só em casa? - Adélia está comigo (Esta parenta jamais dorme em nossa casa; só a vemos raramente).

     - Como é que Adélia está contigo? Dormiu contigo? - Sim, por acaso.

     - És tu mesma que falas, cara esposa? - Sim, amigo; sou eu.

     - Vês bem claro aqui? - Sim; tudo irradia melhor que tua fraca luz. (Eu não tinha senão uma vela, num quarto grande).

     - Tu te comunicas por intuição ou mecanicamente? - Eu toco mais particularmente em teu cérebro, que recebe mais facilmente; contudo, ao mesmo tempo, dirijo tua mão.

     - Como podes ver que meu cérebro é apto a receber as comunicações espíritas? - É pelo desenvolvimento adquirido por teus órgãos há pouco tempo, o que prova que foi preciso... (Neste instante soa meia-noite e o Espírito para).

     - Ouves o som do pêndulo? - Sim; fui chocada por esse som inacostumado. É semelhante à música celeste, ouvida no sonho que te contei. (Com efeito, pouco antes de minha partida ela tinha tido um sonho delicioso, no qual ouvira uma harmonia singular. Sem dúvida, no momento, eu não pensava no sonho, que havia esquecido completamente; assim, não podia ser reflexo de meu pensamento, porque, como ninguém mais dele tinha conhecimento, e na ocasião eu estava só, vi nessa revelação espontânea uma nova prova da identidade do Espírito de minha mulher. O Espírito termina espontaneamente a frase começada acima).

     ... muita força em tão pouco tempo.

     - Queres que evoque meu anjo da guarda para controlar tua identidade? Isto te aborreceria? - Podes fazê-lo.

     - (Ao meu anjo da guarda) - É mesmo o Espírito de minha mulher que acaba de me falar? - É tua esposa que te fala e está satisfeita por te ver.

     - (À minha mulher) - Viste meu anjo da guarda? - Sim; é resplandecente de luz. Apenas apareceu e desapareceu.

     - Ele te viu? - Sim, olhou-me com olhos de uma celeste clemência; e eu, confusa, prostrei-me.

     Adeus, meu grande; sou forçada a deixar-te. 

SESSÃO DO DIA SEGUINTE 

     - Estás aí? - Sim. Vou dizer o que te preocupa: Adélia. Então! Ela dormiu realmente comigo, eu te juro.

     - Teu corpo está melhor? - Sim. Não era nada.

     - Hoje vês Espírito perto de mim? - Ainda não vejo nada; mas pressinto algum, pois estou inquieta por estar só.

     - Ora, boa amiga, e talvez melhores. - Sim. É o que vou fazer. Dize comigo: “Meu Deus, grande e justo, abençoai-nos, absolvei-nos de nossas iniquidades; fazei graças aos filhos que vos amam; dignai-vos inspirar-lhes as vossas virtudes e concedei-lhes a graça insigne de um dia serem contados entre os vossos eleitos. Que a dor terrestre nada lhes pareça em comparação com a felicidade que reservais aos que vos amam sinceramente. Absolvei-nos, Senhor, e continuai-nos os vossos benefícios pela intercessão divina da pura e angélica Santa Maria, mãe dos pecadores e a misericórdia encarnada”. 

OBS.:  Esta prece, improvisada pelo Espírito, é de uma tocante simplicidade. O Sr. Delanne não conhecia o fato relativo a Adélia senão pelo que havia dito o Espírito de sua senhora; e era tal fato que lhe causava dúvidas. Tendo-lhe escrito a respeito, recebeu a seguinte resposta: “... Adélia veio realmente ontem à tarde, por acaso. Convidei-a a ficar, não por medo, do qual me rio, mas para tê-la comigo. Vês que ficou e dormiu comigo. Fiquei perturbada estas duas noites; sentia um certo mal-estar, do qual não me dava bem conta; era uma força invencível que forçava a dormir; estava como que aniquilada. Mas me sinto tão feliz por te ter ido ver!...” .                                                                               INÍCIO

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