Príncipe Viazemsky - 1727/1793        

 

ENCONTRO IMPORTANTE

 (Espírito Leão Tolstói - Obra: Ressurreição e Vida! - Médium: Yvonne Pereira).

Léon Tolstói - Foto www.wikipedia.org/

Nota do compilador: O espírito de um  dos personagens do romance "Ressurreição e Vida" - Dimitri - quando seu corpo estava dormindo, encontra-se no Plano Espiritual com o espírito do príncipe Viazemsky, recebendo deste, valiosas informações.

     Eu não poderia responder, a alguém que mo interrogasse, quanto tempo perdurei imerso naquele sono que melhor se definiria por um colapso total das funções físicas e psíquicas, ou seja - inconsciência absoluta!

     No entanto, sei que despertei lentamente, e que, desejando levantar-me, foi com penoso esforço que consegui desprender-me da poltrona. Parecia que sólidas cadeias de ferro me prendiam, impossibilitando-me independência de movimentos, ou que o achaque de súbita paralisia ameaçasse anular minha desenvoltura costumeira. Finalmente, levantei-me... e, ao me voltar para alcançar a porta e deixar a biblioteca, deparei com simpática figura do Príncipe Viazemsky à minha frente, sorridente e amável, com a inseparável flauta nas mãos, em atitude de quem se preparasse para recomeçar o concerto.

     Reconheci-o imediatamente, agora que o distinguia frente a frente. No salão de espera havia o seu retrato a óleo em tamanho natural, e, vendo-o agora, lembrei-me desse fato, julgando reconhecê-lo apenas pelo retrato. Forte emoção alvoroçava o meu ser, avisando-me de que eu o reconheceria mesmo sem que houvesse o retrato, visto que laços ignotos dir-se-iam ligar poderosamente as nossas almas, impressão esta que se me impôs desde o primeiro instante. Senti-me, todavia, confuso em sua presença. Sensação incomodativa, de respeito, de pavor e de vergonha, tolheu-me a ação. Esqueci-me de cumprimentá-lo e pedir-lhe escusas pela minha intromissão em sua casa, explicando-lhe que ali me encontrava sob intervenção do Superior do Mosteiro. Esqueci-me também de que esse mesmo Serguei Sokolof, Príncipe Viazemsky, agora frente a frente comigo, não mais pertencia ao mundo dos vivos, pois morrera antes mesmo do século XIX em que estávamos. Voltei-me, pois, confuso, pretendendo afastar-me por uma daquelas portas laterais que os reposteiros cobriam, a fim de me furtar à sua presença. Ao tentá-lo, tropecei na poltrona em que estivera sentado e, tomado de estupefação, vi-me, a mim mesmo, ainda sentado ali, dormindo profundamente, ressonando alto como qualquer burguês depois de lauto almoço, por entre suspiros longos e grotescamente repetidos. Contemplei-me, aturdido, e confesso que aquele feio e pesado corpo de trinta e cinco anos de idade me repugnou. Em seguida, examinei o meu outro eu, esse que não dormia e que contemplava o que dormia, e o considerei agradável e muito grato a mim mesmo. Passei as mãos desse meu ser, o pensante, que velava, pelo rosto do que estava recostado na poltrona, entregue ao sono. Alisei-lhe os cabelos, sem conseguir remover de sobre a testa a madeixa que se desprendera e parecia incomodar os olhos. Toquei-lhe as mãos, as vestes, e auscultei-lhe o coração. Mas, parecia que o fazia a uma outra personalidade estranha a mim, tão independente dele eu me sentia, não obstante reconhecê-lo como coisa que me pertencia, como o outro eu que integrava a minha personalidade humana. Mais confuso ainda, sem compreender o que se passava, voltei-me para o Príncipe, que continuava sorrindo, e que, finalmente, talvez compadecido de minhas incertezas, me tomou suavemente pelo braço, atraindo-me para o vestíbulo.

     - Sê bem-vindo, meu caro Wladimir! - disse docemente, em tom caricioso como a melodia da sua flauta, mas em que se perceberia um acento de melancolia. - Sê bem-vindo! Deus é testemunha de como a tua presença aqui alegra o meu coração e como anos a fio orei ao Criador, suplicando que aqui viesses ter. Minha perseverança telepática foi bem sucedida, pois aqui estás.

     Nada respondi, limitando-me a fitá-lo com surpresa, julgando-me contornado por sonho singular, e ele prosseguiu:

     - Não, não estás sonhando, Wladimir! O que no momento se passa contigo é um fato tão natural como os demais fatos que se associam à vida do homem... e com o qual não te deverás surpreender. Para que te habilites na ciência de ti mesmo, conhecendo por que vives e pensas, por que sofres e trabalhas, por que deves ser bom em vez de seres mau, explicar-te-ei o que careces aprender, visto que aqui vieste ter a fim de curar tua alma enferma, instruindo-te na ciência do Espírito. As lições que receberás fazem parte da terapêutica de que necessitas.

     Fez-me sentar no mesmo banco onde horas antes eu me absorvera na leitura do Novo Testamento, deixou-se ficar de pé, qual o egrégio catedrático durante aula clássica e disse-me o seguinte, enquanto os sons da sua flauta flutuavam pelo ar, entoando ainda a doce serenata, embora no momento ele não a tocasse, mas tal se as vibrações que redundaram na melodia continuassem retidas no ambiente, pelas atrações do éter.

     - O homem - disse ele - é o venturoso possuidor de uma natureza tríplice estabelecida pelo Criador Supremo, a qual justamente é o que lhe fornece a personalidade integral e independente, que o caracteriza. E essa trindade augusta da sua natureza está assim classificada:

     1 - A Alma ou Essência, parcela do Poder Absoluto, e, como este, eterna, imortal; sede de potências máximas, ou faculdades, que exatamente denunciam a sua origem, funções tais como a Inteligência, a Consciência, o Pensamento, a Memória, a Vontade, o Sentimento, e demais atributos que sobrevivem através da Eternidade e que da criatura humana fazem a imagem e a semelhança do seu Criador, pois Deus, o Ser Absoluto, possui estes mesmos atributos (além de muitos outros que ainda ignoramos), em grau supremo, enquanto que a criatura os possui em grau relativo, visto que é essência sua, sendo, portanto, a Alma, sede de tais atributos, o verdadeiro ser!

     2 - O Corpo astral, ou Corpo celeste, de que tratam as Escrituras sem contudo explicá-lo, assim como muitos sábios e filósofos da antigüidade1, é a sede das sensações e das impressões que afetam a mente, é também o servo, o instrumento de que se serve a Alma, essência divina, para se manifestar e agir onde quer que a levem as suas múltiplas e inconcebíveis operosidades; exatamente este, com que nós ambos nos falamos neste momento, corpo que nos permite cumprir as ordenações da nossa Alma, da nossa vontade, e que nos torna visíveis uns aos outros na vida espiritual e até mesmo aos homens, em determinadas circunstâncias. Ora, esse corpo astral, delicado e sutil a tal ponto que em suas fibras luminosas se decalcam todos os nossos pensamentos, impressões, atos e realizações, tão sutil que é invisível na Terra, e só em determinadas circunstâncias será visível, é composto, por sua vez, de três elementos indestrutíveis, embora imponderáveis em relação à matéria terrena, magníficos elementos, esses, que justamente o formam eterno como a própria Alma, pois ele não se corromperá jamais, jamais desaparecerá! e é ainda, por natureza, invisível como a luz, e só se alterará através da evolução, atingindo maiores possibilidades para a irradiação plena da Alma, ou seja, da transmissão dos pensamentos, das vontades e dos sentimentos desta. Tais elementos são:

     a - O fluido magnético;

     b - A eletricidade;

     c - O fluido cósmico universal (quinta-essência da matéria, de onde se origina toda a criação, matéria dotada de vida e possibilidades inconcebíveis à mente humana atual).

     3 - O Corpo carnal, ou corpo material terreno, o único a constituir passageira ilusão, pois é mortal e putrescível, uma vez que se origina de elementos exclusivamente terrenos. Esse corpo, mortal e putrescível, eu, Príncipe Viazemsky, não o possuo mais, ao menos por enquanto. Entretanto, como vês, vivo, penso e ajo, melhor do que quando o possuía e me chamava Serguei Sokolof. Mas tu o possuis ainda, pois acolá o vemos, adormecido sobre aquela poltrona, porque a minha vontade de Espírito livre, superior à tua, se impôs para que o deixasses por alguns momentos, em situação lúcida, e me atendesses para o que necessito falar-te, a fim de te ajudar a vencer a etapa crítica por que passas.

     Uma vez reunidos, os três elementos expostos acima - Essência, Fluido e Matéria - originam o homem pensante, inteligente, ágil, capaz de um dinamismo heroico, se souber equilibrar os próprios atributos em sentido superior, habilitado para um serviço majestoso de evolução, digno da sua descendência divina. Para viver sobre a Terra, tratando da própria evolução - lei natural a que estão subordinados todos os seres animados da Criação, até mesmo os vegetais e os minerais -, a criatura necessita desse corpo carnal. E, assim sendo, receberá das leis imutáveis, que regem os destinos da Vida Universal, muitas vezes esse corpo, em etapas variadas de existências terrenas - ou encarnação e reencarnações. Será Homem, portanto, uma centena de vezes, porque morrerá num corpo e reencarnará em outro, mais tarde, quantas vezes houver necessidade de que o seja, pois a evolução da criatura para a glória da plenitude do ser divino que nela existe é lenta, é longa e trabalhosa, dura milênios, através de escaladas sucessivas.

     Quando um homem morre, a sua Alma - gérmen, essência do Poder Absoluto - e o intermediário, ou seja, o envoltório fluídico, que participa do fluido cósmico universal - quinta-essência da própria matéria - sobreviverão na vida do Além, como me vês aqui, eu, que fui homem no tempo de Catarina II, a Grande, e cuja vontade pôde imprimir nesse mesmo envoltório os detalhes das recordações da própria indumentária que me aprazia usar então e o aspecto pessoal da mesma época, pois esse corpo astral é sensível e impressionável, e suas propriedades são amoldáveis aos desejos da mente que saiba irradiar com uma vontade criadora.

     Ao contrário do que os homens supuseram, a vida em além-túmulo nem é vaga e indefinida nem irremediável e indeterminada. É, antes, lógica e submetida a leis rigorosas de equilíbrio equânime, é vida normal do ser racional e pensante, pois a terrena decorre como estágios preparatórios, na jornada multimilenar do evolução, daquele ser iniciado na insignificância, mas dotado de poderes latentes para se elevar através de labor ininterrupto, para engrandecer-se e depurar-se até à harmonização com Aquele que lhe forneceu o ser... tal como a criança, que, já no berço, retém os poderes futuros ainda adormecidos nos arcanos da personalidade, à espera do desenvolvimento normal.

     Sendo um estágio preparatório, na jornada da evolução, a existência terrena, com pequenas exceções, verifica-se obrigatoriamente, para cada ser, como agente de progresso. Dependerá do ser encarnado, no entanto, fazer dessa existência o motivo heroico da sua glória perante as leis do Criador, ou razão para uma série longa de novas existências de provações, segundo soube, ou deixou de saber, orientar os próprios passos no critério do Dever e da Justiça. Uma sequência longa de reencarnações expiatórias só se verifica se o Espírito infringe regulamentos delicados da lei da Criação. O ser pensante, porém, poderá não estar jungido apenas às expiações terrestres... visto que a evolução também se verificará em outros mundos planetários que, como a Terra, são apropriados para receberem Humanidade em progresso, sendo que esses mundos poderão até mesmo ser mais bem dotados do que este em que temos vivido, e nos quais nosso progresso se fará sob forma bem mais suave do que a que conhecemos. Wladimir, caro irmão! O Universo é infinito! Vivemos todos no Infinito, homens e Espíritos! A Vida contém aspectos múltiplos, que conviria ao homem desvendar para se poder alçar aos páramos sublimes da Verdade!

     - Mas... - advim eu, recalcitrante e aturdido -, como pudestes descobrir todas essas interessantes exposições?

     - Esqueces, porventura, que sou um Espírito livre, que já pôde penetrar certos segredos da Criação e que, portanto, meu dever é comunicar aos homens o que por minha vez aprendo na vida espiritual? Aliás, tais ensinamentos têm sido revelados aos humanos desde tempos muito remotos. Somente o homem moderno ignora tais princípios, meu caro Wladimir, porque as exorbitâncias da Idade Média, acendendo paixões cruéis no coração humano, arredaram das academias e dos templos a possibilidade da harmonização do pensamento com as Inteligências Celestes, para o intercâmbio fácil que alimentava tais revelações. Entretanto, não tardará o momento em que elas, as revelações supranormais, serão revividas na sociedade terrena, por um novo surto de intercâmbio entre as Inteligências Espirituais e o homem, com tendências para uma reforma geral nos corações e nos caracteres humanos, tal como se deu com o advento do Cristianismo.

Nota do compilador: 1 -  Corpo astral = denominado Perispírito por Allan Kardec. 

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