Jesus e o jovem rico - Heinrich Hofmann

Espírito Emmanuel    

 

EM NOME DE JESUS

(Autor: Espírito Emmanuel - Médium: Francisco C. Xavier - Obra: Renúncia)

Nota do compilador: Esta passagem do magnífico romance de Emmanuel (Renúncia), trata de um diálogo entre uma irmã de caridade que se devotava ao socorro dos pobres, e um padre (inspetor - padre Osório) que alegava estar ela desviando os recursos de Deus (?!) nesse socorro, e que por causa disso seria julgada pela Inquisição.

     - Onde já se viu semelhante liberdade, qual a vemos dentro destes muros? Ainda não ouvi qualquer expressão de acatamento aos nossos teólogos; a comunidade, sempre interessada em atender ao mundo, não encontra tempo adequado ao serviço de adoração. O nosso compromisso é de obediência absoluta à autoridade!...

     As observações eram feitas com tanta acrimônia que Alcione se viu constrangida a tomar a defesa do Evangelho, pelo muito amor que consagrava ao seu conteúdo divino. Por si mesma, experimentava toda a extensão da fragilidade humana e jamais se animaria a discutir; entretanto, à luz da verdade cristã, outra deveria a complacência com o mal. Osório invocava o próprio Cristo, no sentido de acobertar ações mesquinhas, e ela precisava defender a lição pura e simples do Mestre, sem perder a expressão de amor que lhe vibrava na alma. Como tantas vezes lhe acontecera noutros tempos, Alcione procurou encará-lo, como a um doente e necessitado de luz. Depois de o envolver num olhar quase maternal, falou serenamente:

     - Toda autoridade humana, quando inspirada na justiça, deve ser venerável a nossos olhos; todavia, padre, é preciso não esquecer que o nosso primeiro compromisso é com Jesus.

     O capelão inspetor experimentou grande surpresa com aquela nova atitude da interlocutora. Falando de si mesma, a religiosa apagava-se nas afirmações humildes, mas, tratando do Cristo, parecia tocada de misterioso poder. Preparando-se para ser ainda mais cruel, asseverou com certa dose de ironia:

     - Obrigações com Jesus? Não me parece que a senhora as preze tanto assim. Noto aqui muito maior preocupação com o mundo. As filhas do Carmelo, em Medina, sob a sua atuação prejudicial, não encontram tempo para tratar da alma. O dia inteiro, grande confusão se verifica às portas desta casa. Uma falsa piedade vai estabelecendo a desordem. Será isso obrigação com Jesus?

     Fitando-o com nobreza de ânimo, ela respondeu:

     - Não nos consta que o Mestre se afastasse do mundo para servi-lo. O Evangelho não o apresenta enclausurado ou recolhido à ociosidade da sombra. Pelo contrário, Jesus atravessou a pé grandes extensões da palestina, ensinando e praticando o bem. João Batista, nas anotações de Lucas no-Lo revela como o trabalhador que tem a pá nas mãos. Seu apostolado foi integralmente de realização e movimento. Era impossível atender à salvação do mundo, afastando-se de suas necessidades. Por essa razão, vemos o Messias entre fariseus e publicanos, nas festividades domésticas e nos ajuntamentos da praça pública, dando cumprimento à sua missão de amor. Como poderemos servir à sua causa divina, inclinando-nos à preguiça, sob o pretexto de uma falsa adoração? Muitas de nós, religiosas, deixamos os afetos familiares para consagrar todas as energias ao serviço do Cristo. Mas, de que natureza serão esses trabalhos? Acreditais, frei Osório, que Jesus necessite de mulheres ociosas? Não admitais semelhante absurdo. A atividade do Mestre, a que fomos chamadas, é a de colaboração com o seu devotamento na causa da paz e da felicidade humana. Em torno de nossos conventos, há mães que choram sob o guante de necessidades cruéis, criancinhas abandonadas que requisitam socorros urgentes, velhos respeitáveis totalmente desamparados. Seria razoável a continuação das atitudes convencionais de falsa devoção, quando Jesus prossegue, pelos caminhos, animando e consolando? Por vezes, padre, em nossas missas solenes, quando o luxo dos altares impressiona os nossos olhos, julgo que o Mestre está às portas do Templo, confortando as viúvas descalças e rotas, que não puderam penetrar no santuário, pela deficiência das vestes. Por que manter o rigor das regras humanas, quando o ensinamento da caridade cristã é tão simples e tão puro? Por que repetirmos uma prece mil vezes, nas festas de Santa Cruz, e negarmos dois minutos de palestra carinhosa ao infortunado? Não seria essa nossa estranha atitude a perfeita personificação daquele sacerdote indiferente, da parábola do Bom Samaritano? Não considero a fé um meio de obter favores do Céu, ao sabor do nosso alvedrio pessoal, e, sim, um tesouro do Céu, que a Terra está esperando, por nosso intermédio.

     Profundamente despeitado e surpreendido, Osório aproveitou pequena pausa e objetou:

     - Suas ideias denotam exaltação doentia. No desempenho de deveres inerentes ao meu cargo, condeno-as em bloco.

     - E que entendeis por vosso cargo? - perguntou Alcione com intenso brilho no olhar. - Todos os homens dignos têm tarefas respeitáveis, por mais simples que pareçam; um sacerdote, porém, recebeu do Céu missão divina. Um padre deveria ser um pai. Entretanto, vede, os discípulos sinceros escasseiam em todas as comunidades. O mundo está cheio de eclesiásticos, mas só pode contar com raríssimos missionários.

     - Isto é um insulto à autoridade da Igreja - acrescentou o interlocutor irritado.

     - Estais enganado. Minhas afirmativas podem ser uma apreciação de nossa miserabilidade neste mundo, mas não podemos esquecer que a Igreja do Cristo é inviolável. Nossas fraquezas não a atingem.

     - Vejo que sua opinião é a dos que trabalham atualmente pela destruição da fé.

     - Grande é o vosso equívoco, frei Osório. Ninguém destruirá, na Terra, a Igreja de Jesus. Ainda que todos os homens se conluiassem contra ela, o instituto cristão continuaria puro e intangível. Devemos considerar, contudo, que todos os elementos humanos, colocados a seu serviço sobre a Terra, hão de ser necessariamente modificados. Nossos templos frios e impassíveis serão transformados mais tarde em casas de amor, como lares de Deus, onde as criaturas possam encontrar o verdadeiro culto da sua inspiração e do seu amor sublime. Os conventos deixarão de ser âmbitos de sombra, para que o Mestre neles identifique tabernáculos da fé e caridade puras. Nós, monjas, teremos interpretado o serviço divino de outro modo, escalonando pelos hospitais, creches, asilos, escolas.

     O capelão contemplou-a assombrado e exclamou com ironia:

     - Com toda essa veia profética, que nos prediz a nós outros, os sacerdotes?

     - A filha de Madalena fitou-o com serenidade e sem hesitação redarguiu:

     - Vós, por certo, compreendereis, afinal, que os interesses pecuniários deverão desaparecer das casas consagradas ao Cristo. Por essa época, talvez, vós, os padres, sereis como Paulo de Tarso repartindo a tarefa entre o tear e a pregação, para que a Igreja não seja acusada por nossos irmãos de humanidade!... Sereis, talvez, como Simão Pedro, fiel até ao fim, depois do período de negação!

     Longe de esperar resposta decisiva e profunda como essa, o delegado do Geral arregalou os olhos e disse colérico:

     - A senhora é uma herética!

     - Se a sinceridade e a verdade são heresias, para o vosso critério pessoal, honro-me em servir ao Senhor com a minha consciência.

     Tomando atitude terrível, qual se maquinasse odiosa vingança, Osório acentuou:

     - Ignora que poderei processá-la e punir-lhe o atrevimento?

     Sem qualquer vislumbre de receio, a filha de Cirilo respondeu:

     - Estou certa de que poderão cair sobre mim todos os males do Mundo; não o estou menos de que Jesus tem todos os bens para me dar.

     E, como se iniciasse o sumário dos pontos essenciais da futura sentença, frei Osório continuou:

     - Pela sua desconsideração aos nossos teólogos mais eminentes, poderá ser acusada como rebelde e traidora aos princípios da fé, partidária dos diabólicos luteranos, passíveis das mais fortes represálias.

     - Deus conhece o meu íntimo e isso me basta - murmurou a filha de Madalena, com sincera humildade.

     - Por suas interpretações audaciosas do Novo Testamento, a ponto de seduzir diversas companheiras para o seu cisma, a senhora deverá conhecer, naturalmente, uns tantos segredos da velha magia.

     - O Mestre, por muito amar - acentuou Alcione tranquila -, foi tido em conta de feiticeiro, por muitos religiosos do judaísmo.

     O capelão inspetor dissimulava a grande surpresa que o invadia, de minuto a minuto, pela inesperada resistência, e prosseguiu:

     - A senhora tem desviado, na qualidade de subpriora, inúmeras e preciosas dádivas feitas ao estabelecimento, graças a um serviço desordenado de falsa piedade pelo próximo, com descaso completo dos interesses de Deus.

     - Não creio que os interesses de Nosso Pai Celestial - esclareceu a interlocutora - se adstrinjam e se agitam entre algumas paredes de pedra; e enquanto estiver a meu cargo qualquer função religiosa, o dinheiro recebido atenderá não somente às nossas necessidades, mas, também, às de quantos possam receber os benefícios desta instituição, convicta como estou de não haver obras sem fé, nem fé sem obras.

     - Mas poderá pagar muito caro essa maneira de ver. Não são raros os religiosos condenados por latrocínio.

     - Compreendo até onde desejais chegar com semelhantes alegações, mas a verdade é que nada possuo, além do meu hábito.

     - Isso não impede que tenha comparsas fora destes muros.

     Alcione fixou nele um significativo olhar e acrescentou:

     - Não posso impedir o vosso julgamento; todavia, posso afirmar que estou satisfeita com o juízo de Deus, em consciência.

     Reconhecendo-lhe a inquebrantável firmeza, Osório acentuou rancorosamente:

     - Denunciá-la-ei ao Santo Ofício. Disponho de poderoso amigo junto do Inquisidor-mor de Madrid, que pode fazê-la expiar tão grandes delitos.

     A religiosa manteve-se impassível diante da raivosa e grave ameaça, murmurando muito tranquila:

     - Podeis proceder como quiserdes. Quanto a mim, intercederei por vós em minhas orações e tenho em Jesus um amigo forte, que pode absolver-vos.

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OS  INTERESSES  PECUNIÁRIOS  DEVERÃO  DESAPARECER  DAS  CASAS  CONSAGRADAS  AO  CRISTO.

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