Cristo Crucificado - Velázquez

CHICO XAVIER E O PADRE

(Trecho da entrevista  de Elias Barbosa com Chico Xavier feita em 1967 - Anuário Espírita 1968)

      - Chico, disse você que sentia fenômenos mediúnicos desde criança. Poderá especificá-los agora, após quarenta anos de mediunidade ativa?

     - Sim. No quintal da casa em que eu morava, via frequentemente minha mãe desencarnada em 1915 e outros Espíritos, mas as pessoas que me cercavam então não conseguiam compreender minhas visões e notícias e acreditavam francamente que eu estivesse mentindo ou que estivesse sob perturbação mental. Como experimentasse muita incompreensão, cresci debaixo de muitos conflitos íntimos, porque de um lado estavam as pessoas grandes que me repreendiam, ou castigavam supondo que eu criava mentiras e do outro lado estavam as entidades espirituais que perseveravam comigo sempre. Disso resultou muita dificuldade mental para mim, porque eu amava os espíritos que me apareciam, mas não queria vê-los para não sofrer punições da parte das pessoas encarnadas com quem eu precisava viver.

     - De família católica e praticando o catolicismo, você via os espíritos também na igreja?

     - Sim.

     - Você via bons e maus?                                                      

     - Sim.

     - E nada disso contava a algum padre?

     - Contava na confissão.

     - Podemos saber quem era esse sacerdote e de que maneira ele ouvia as suas descrições?

     - Era ele, o padre Sebastião Scarzelli, que residia em Matosinhos, cidade muito próxima de Pedro Leopoldo. Durante anos, até 1927, ele me ouvia paternalmente em confissão de dois em dois meses. Devo dizer que ele me ouvia admirado e compadecido.

     Não sei se ele acreditava em tudo o que eu narrava para ele, no que se referia ao que enxergava e escutava nos horários dos ofícios religiosos, mas posso declarar que ele sempre me tratou com a bondade de um pai. Ensinava-me a orar e a confiar em Deus, a respeitar a escola e cultivar o trabalho, a fazer novenas pelo descanso dos mortos e a esquecer as más palavras dos espíritos infelizes quando eu as escutava.

     - O padre nunca emitiu uma opinião clara sobre os fatos que você observava?

     - Ele me ouvia na confissão e ficava muito pensativo... Só pedia para que eu orasse muito. Lembro-me de que uma vez, debaixo da perseguição de um espírito sofredor, quando eu ia completar quinze anos, chorei muito na confissão, rogando a ele para livrar-me... Ele interrompeu as minhas palavras e mandou que esperasse um pouco. Quando retornou, disse-me que eu não devia chorar ou desesperar-me com as visões e vozes que me procuravam e acrescentou que se elas viessem da parte de Deus, que Deus me abençoaria e me daria forças para fazer o que devia ser feito. Em seguida, caminhou comigo e vendo que eu estava descalço, me perguntou se eu gostaria de ter um par de sapatos. Eu disse que sim e ele me levou a uma loja, a loja do Sr. Armando Belizário Filho, em Pedro Leopoldo, e comprou um par de sapatos para mim. Conto isso porque notei que ele queria me ver alegre, esquecendo o estado de angústia em que me achava.

     - Você dedicou muito amor a esse sacerdote?

     - Sim, ele era sempre bom e paciente.

     - Quando você depois de conhecer a Doutrina Espírita, em 1927, ainda se avistou com ele? Teria havido uma despedida entre ambos?

     - Sim, houve essa despedida. Logo após os meus primeiros contatos com o Espiritismo, voltei a igreja de Pedro Leopoldo, ainda uma vez, para dar-lhe notícias de minha nova situação. Só podia vê-lo, nesse dia, no confessionário. Para lá me dirigi. Ajoelhei-me, como sempre fazia, e contei-lhe tudo o que se passara, a cura de minha irmã, minha emoção ao conhecer as ideias espíritas, os livros de Allan Kardec que eu estava lendo, as melhoras de meu estado íntimo... Ele não me condenou, disse apenas que não lera até aquela ocasião qualquer obra do Espiritismo e por isso nada podia dizer... Disse-me que a Igreja não aprovava o Espiritismo e que eu ainda era muito jovem para assumir compromissos e tomar decisões. Eu respondi a ele que apesar de respeitá-lo muito, ia estudar o Espiritismo e dedicar-me à mediunidade. Ele permaneceu calado. Então, disse a ele que eu não queria separar-me dele, que fora sempre tão bondoso para comigo, deixando-o contrariado. Pedi a ele que me desse a mão, e ele me estendeu a mão direita. Depois de beijá-la, pedi a ele que me abençoasse. Ele, então, me disse: Seja feliz, meu filho. Eu rogarei à nossa Mãe Santíssima para que te abençoe e te proteja... Levantei-me e saí, mas sabendo que havia tomado a decisão de praticar a mediunidade, quando cheguei à porta de saída, voltei-me para vê-lo, ainda uma vez e notei que ele, mesmo de longe, me acompanhava com o olhar e me sorria.

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O HOMEM SABEDOR SEM FÉ, É COMO UMA LÂMPADA RICA SEM AZEITE. TEM APARATO, MAS NÃO ALUMIA