Paris - Foto Renatebp

Johann Heinrich Pestalozzi e sua esposa junto a seus alunos. Fonte www.wikipedia.org/

 

BIOGRAFIA DE KARDEC I                    

       Revista Espírita de maio de 1869

     É sob o golpe da dor profunda causada pela partida prematura do venerável fundador da Doutrina Espírita que iniciamos uma tarefa, simples e fácil para as suas mãos sábias e experimentadas, mas cujo peso e gravidade nos acabrunhariam, se não contássemos com o concurso eficaz dos bons Espíritos e com a indulgência dos nossos leitores.

     Quem, entre nós, poderia, sem ser taxado de presunçoso, gabar-se de possuir o espírito de método e de organização com que se iluminam todos os trabalhos do mestre? Só a sua poderosa inteligência poderia concentrar tantos materiais diversos, triturá-los, transformá-los, para a seguir os espalhar como um orvalho benfazejo sobre as almas desejosas de conhecer e de amar!

     Incisivo, conciso, profundo, ele sabia agradar e fazer-se compreender, numa linguagem ao mesmo tempo simples e elevada, tão afastada do estilo familiar quanto das obscuridades da Metafísica.

     Multiplicando-se incessantemente, até aqui ele havia atendido a tudo. Entretanto, o diário crescimento de suas relações e o incessante desenvolvimento do Espiritismo o fizeram sentir a necessidade de contar com alguns auxiliares inteligentes, e ele preparava, simultaneamente, a organização nova da doutrina e de seus trabalhos, quando nos deixou para ir a um mundo melhor, colher o prêmio da missão cumprida e reunir os elementos para uma nova obra de devotamento e de sacrifício.

     Ela era só!... Nós nos chamaremos legião, e, por mais fracos e inexperientes que sejamos, temos a íntima convicção de que nos manteremos à altura da situação se, partindo dos princípios estabelecidos e de uma evidência incontestável, nos dedicarmos a executar, tanto quanto nos seja possível e conforme às necessidades do momento, os projetos futuros que o próprio Sr. Allan Kardec se propunha realizar.

     Enquanto seguirmos a sua via e todas as boas vontades se unirem num esforço comum, para o progresso e a regeneração intelectual e moral da Humanidade, o Espírito do grande filósofo estará conosco e nos ajudará com sua poderosa influência. Possa ele suprir a nossa insuficiência e possamos tornar-nos dignos de seu concurso, consagrando-nos à obra com o mesmo devotamento e sinceridade, se não com tanta ciência e inteligência!

     Em sua bandeira ele havia inscrito estas palavras: Trabalho, solidariedade, tolerância. Como ele, sejamos infatigáveis; conforme seus desejos, sejamos tolerantes e solidários e não temamos seguir o seu exemplo, pondo vinte vezes sobre a mesa os princípios ainda em discussão. Apelamos ao concurso e às luzes de todos. Tentaremos avançar com mais certeza do que velocidade e nossos esforços não serão infrutíferos se, como estamos persuadidos, - e de que seremos os primeiros a dar exemplo, - cada um tratar de cumprir o seu dever, pondo de lado qualquer questão pessoal a fim de contribuir para o bem geral.

     Não poderíamos entrar sob melhores auspícios na nova fase que se abre para o Espiritismo, do que dando a conhecer aos nossos leitores, em rápido esboço, o que foi8 toda a sua vida, o homem íntegro e honrado, o sábio inteligente e fecundo, cuja memória se transmitirá aos séculos futuros, cercada da auréola dos benfeitores da Humanidade.

     Nascido em Lyon, a 3 de outubro de 1804, de uma antiga família que se distinguia na magistratura e na tribuna jurídica, o Sr. Allan Kardec (Léon-Hippolithe-Denizart Rivail) não seguiu esta carreira. Desde a primeira juventude sentia-se atraído para o estudo das Ciências e da Filosofia.

     Educado na Escola de Pestalozzi, em Iverdun, Suiça, tornou-se um dos mais eminentes discípulos do célebre professor e um dos propagadores zelosos de seu sistema de educação, que exerceu uma grande influência sobre a reforma dos estudos na Alemanha e na França.

     Dotado de uma inteligência notável e atraído para o ensino por seu caráter e suas aptidões especiais, desde a idade de quatorze anos ensinava o que sabia aos seus discípulos que tinham aprendido menos que ele. Nesta escola se desenvolveram as ideias que, mais tarde, deveriam colocá-lo na classe dos homens avançados e dos livre-pensadores.

     Nascido na religião católica, mas educado em país protestante, os atos de intolerância que a propósito teve de sofrer, desde cedo o fizeram conceber a ideia de uma reforma religiosa, na qual trabalhou em silêncio durante longos anos, com o pensamento de chegar a uma unificação de crenças; mas lhe faltava o elemento indispensável à solução deste grande problema.

     Mais tarde o Espiritismo lhe veio fornecer esse elemento e imprimir uma direção especial aos seus trabalhos.

     Terminados os estudos, voltou para a França. Dominando a fundo a língua alemã, traduziu para a Alemanha diversas obras de educação e de moral e, o que é característico, as obras de Fénelon, que o haviam seduzido particularmente.

     Era membro de várias sociedades científicas, entre outras, da Academia Real de Arras que, em seu concurso de 1831, o laureou por uma memória notável sobre esta questão: “Qual o sistema de estudos mais em harmonia com as necessidade da época?”

     De 1835 a 1840, em seu domicílio, à Rua de Sèvres, fundou cursos gratuitos de Química, Física, Anatomia comparada, Astronomia, etc.; empreendimento digno de elogios em todos os tempos, mas sobretudo numa época em que um pequeníssimo número de inteligências se aventurava a entrar por esse caminho.

     Constantemente preocupado em tornar atraentes e interessantes os sistemas de educação, inventou, ao mesmo tempo, um método engenhoso para ensinar a contar e um quadro mnemônico da História da França, tendo por objetivo fixar na memória as datas dos acontecimentos notáveis e das grandes descobertas que ilustraram cada reinado.

     Entre as suas numerosas obras de educação, citaremos as seguintes: Plano proposto para o melhoramento da instrução pública (1828); Curso prático e teórico de Aritmética, segundo o método de Pestalozzi, para uso dos professores e mães de família (1829); Gramática Francesa Clássica (1831); Manuel dos exames para o título de capacidade; Soluções raciocinadas das questões e problemas de Aritmética e de Geometria (1846); Catecismo gramatical da Língua Francesa (1848); Programa dos cursos de Química, Física, Astronomia, Fisiologia, que professava no Liceu Polimático; Ditados normais dos exames da Prefeitura e da Sorbonne, acompanhados de Ditados especiais sobre as dificuldades ortográficas (1849), obra muito estimada na época de seu aparecimento e da qual ainda recentemente ele tirava novas edições.

     Antes que o Espiritismo viesse popularizar o pseudônimo Allan Kardec, tinha ele, como se vê, sabido ilustrar-se por trabalhos de natureza completamente diversa, mas tendo como objetivo esclarecer as massas e ligá-las cada vez mais à família e ao país.

(Este artigo encerra-se em BIOGRAFIA DE KARDEC II).

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