Este monumento de João de Deus localiza-se na cidade de Coimbra - Portugal - Foto iap

 

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(Autor: Espírito João de Deus - Obra: Do País da Luz - Tomo 3 - 1911 - Médium: Fernando de Lacerda).    

 

 

 

A RÃ E O SAPO

 

 

Fábula

 

Em uma fresca manhã,

Indo o sapo passear,

Encontrou-se com a rã

Que ele andava a namorar.

Dirigiu-se logo a esta,

E diz-lhe, num ar de festa:

 

 

Muito me alegro eu, comadrezinha

Por vê-la tão gentil e tão louçã!

Nem parece ser rã

Mas sim de todos nós ser a rainha!...”

 

Então a pobre tola

Ao ver-se assim louvada,

Perdeu de todo a bola,

E diz, lisonjeada,

Ao namorado sapo,

Em voz cariciosa,

Tufando o verde papo:

 

“Ora, não me diga tal!

Ao pé de si nada vale

Minha pobre louçania!...

Nem luxo nem valentia!

Sou feia e fraca mulher...

 

 

Agora belo e gentil

Com o seu ar senhoril,

Como um valente requer,

Só o meu compadre amigo...

Tem porte garboso e fero,

Perfil correto e austero

Qual um antigo cruzado!

 

 

Vê-se bem no seu olhar

Viril, ousado;

E nesse andar Marcial,

como o dum guerreiro antigo.

Em confronto de beleza

Com certeza,

Tudo tem a recear

Quem acompanhar consigo.

 

 

E valor? À gentileza

Reúne a força, a destreza,

Fazendo que ninguém haja mais belo!

E a ciência seus dotes deu também,

a fim de que ninguém

Lhe leve os louros em sabedoria!

 

 

É um doce encanto vê-lo

Nessa sua distinta galhardia!...

Meu lindo compadre amigo:

Eu, por mim, digo e redigo,

Que sábio assim, tão valente,

Tão ousado e tão prudente,

Não há outro igual entre os senhores!”

 

  Acreditou o sapo nos louvores.

(Tão sincera mostrava ser a rã!)

E lá foram os dois por entre flores,

Gozando amores,

Nessa linda manhã.

 

 

Imaginou-se o sapo um lutador,

Herói capaz de ser o vencedor

Do mais guerreiro exército do mundo!...

 

 

Mas, ai do triste e cego sapo imundo,

Que na ilusão vivia,

Do seu saber profundo,

Da sua galhardia,

Do seu poder sem par!

 

 

  Mas tendo essa ilusão

Deitou-se a meditar

Em que sublime ação

Teria de mostrar

O seu real valor

À comadre gentil e lisonjeira.

 

 

  Caminharam assim por largo espaço,

Dando o braço,

Envolvidos em terna fantasia,

Sem que temor, canseira ou arrelia,

Viesse despertá-lo do seu sonho

Lindo, risonho,

Quando, depois de larga correria

Pela florida e verde pradaria,

Encontraram pastores

Apascentando gado.

 

 

  O sapo inda encantado

Por tão gentis louvores

Da sua comadrinha,

- A mais grácil rainha

Dos sapos sonhadores -,

Pensou que era chegado

O ensejo de mostrar quanto valia:

 

 

Escolheu dentre os bois o mais possante,

(Para bem realçar a valentia)

Correndo para ele mui chibante,

Em ar de desafio.

 

 

  Ora o boi, que o não viu,

E dele nem deu fé,

Quando mudou um pé

Pousou-o todo em cima do imprudente.

 

 

Viu logo o infeliz

O horrível cariz,

Que tinha o ser vaidoso e ser valente.

Mas, pela sua fátua presunção,

Não deu sinal de fraco.

 

 

Não emendou a mão,

Nem deu, sequer, cavaco.

  Ao ver-se amachucado Tufou,

Torceu-se, esperneou,

Mas o terrível pé não se tirou!

 

 

Prolongava-se a triste situação,

Sem que houvesse mudança,

Nem esperança

De solução,

Quando a matreira rã,

Simulando não ver a entalação,

Diz, rindo e folgazã: -

 

“Venha daí meu compadre!

Então, que demora é essa?

Ande já, que tenho pressa...”

 

  Responde o imprudente,

Fingindo inda o valente

Que instantes antes foi:

 

 

- “Já lá vou, linda comadre,

- Que estou pisando aqui um pobre boi...”

 

 

  Sucede assim por esse mundo fora,

Com uma semelhança encantadora,

Coisas sem conto ao homem imprudente,

A rã - Lisonja - afaga-o na vaidade,

Fazendo-o acreditar-se onipotente,

E ao sentir-se esmagado p’la verdade,

Na sua fatuidade,

Para não confessar sua fraqueza,

Imita o pobre sapo na esperteza.   

 

 

 

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João de Deus foi o maior poeta lírico português do século dezenove e um dos maiores da raça latina. A sua característica é a simplicidade; notável pedagogista. Seu nome era João de Deus Ramos.  

 

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