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Nesta pintura o autor incluiu somente 11 apóstolos. Judas Iscariotis que seria o décimo segundo, após ver a condenação de Jesus, arrependeu-se, devolveu as moedas aos sacerdotes e enforcou-se em galho de uma figueira. (não consegui achar os nomes dos autores dessas ilustrações).
Nós, espíritas, sabemos que todos os acontecimentos do mundo material, inclusive passagens da vida de cada um de nós, podem ser revistos no Plano Espiritual. E foi assim que o Espírito Victor Hugo tomou ciência de como ocorreu o diálogo de Jesus, materializado, com os apóstolos no terceiro dia, hoje lembrado como domingo de Páscoa. O trecho abaixo descreve os diálogos que o autor presenciou, e os inseriu na sua obra extraordinária denominada Dor Suprema, recebida pela médium Zilda Gama. É maravilhosa a descrição da última "presença física" do Mestre entre nós.
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"...
Pedro e seus companheiros, apreensivos, confusos, e, ao mesmo tempo, maravilhados, quando alcançaram o termo de sua peregrinação, refugiaram-se no Cenáculo, onde estava convocada uma reunião dos discípulos de Jesus, para ventilarem diversas questões de grande alcance para todos.
Foram debatidos os últimos sucessos: o martírio do boníssimo Rabi, sua aparição às piedosas mulheres, a quem Ele havia dirigido a palavra, e o estranho caminheiro que tinha sido visto por alguns amigos do Crucificado na estrada de Emaús.
Estavam todos, entristecidos, congregados em um vasto refeitório, quando um deles perguntou a João, que se conservava calado, com reflexos de lágrimas nos olhos azuis:
- Quem seria o notável peregrino? Como pode sumir-se diante de todos nós, qual neblina dissolvida pelos raios solares?
- Juro que, por vezes, pensei fosse o Mestre! - murmurou João comovido.
- Já não te lembras mais do Rabi? - disse Marcos, excitado - o seu aspecto, realmente, recordava o do Rabi, mas havia nele algo de diverso que não me podia iludir: a cor da epiderme, os cabelos, a túnica... Se fosse o Mestre, eu o reconheceria... mesmo que fosse o seus fantasma! Só o que me faz meditar é o timbre de sua voz: a do misterioso peregrino possuía a mesma suavidade, as mesmas inflexões, que se gravara em minha alma, eternamente, por certo...
- Que alegria a nossa, se fosse Ele, exclamou João.
- Vamos orar, conforme Ele nos ensinou? - propôs Pedro, aos amigos que, em uníssono, com fervor e saudade, iniciaram: "Pai nosso que estais no Céu..."
- Paz seja convosco! - disse-lhes alguém, com dulcíssima voz.
Bruscamente abalados por aquela exclamação, proferida com um timbre inconfundível, todos os circunstantes fitaram os olhos na porta de entrada, que um deles havia fechado com segurança, temendo que por ali penetrasse algum adversário do Novo Credo. Na porta projetara-se uma cruz luminosa, e, parecendo dela desprender-se, com os braços amplamente abertos, viram surgir uma Entidade fúlgida, que, sorrindo tristemente, havia passado através da sólida porta do Cenáculo, tal qual a luz transpõe um cristal puríssimo... Era o Rabi, supliciado no Calvário, cujo corpo então surgia de novo, feito agora de transparências luminosas...
Pânico indescritível reinou entre os assistentes.
Impulsivo e céptico, Tomé adiantou-se e interpelou a Entidade, cujo aspecto era o de Jesus; mas, quintessenciado como se achava, ainda lhe causava vacilação sobre a identidade, murmurando:
Como? Senhor! sois realmente o Mestre?
Ainda o duvidas? Tomé! Já te esqueceste de minhas palavras - "que eu havia de ressurgir do túmulo ao terceiro dia depois de consumado o meu martírio?"
- Perdão! Senhor, mas vós, se sois o Rabi, estais tão belo, que eu cuido ainda estar iludido por meus próprios olhos... O Mestre era formoso, mas vós sois de um deslumbrante aspecto... que eu julgo só existir no Céu!
- Vede - disse o recém-vindo, descendo a neblina da túnica - de neve sutil e luz - mostrando-lhe os vestígios dos cravos e da lança nos pés, no peito e nas mãos resplandecentes, cujas chagas pareciam rosas de rubi com reflexos de sóis... Tomé tocou-as e estremeceu, sentindo eflúvios magnéticos desprenderem-se delas e penetrarem-lhe o íntimo, proporcionando-lhe uma sensação indefinível; Caiu, então, de joelhos, com os olhos cintilantes de lágrimas; e, juntando as mãos em súplica, pediu, com emoção:
- Perdoai-me, Senhor! Vejo, agora, que vós sois, realmente, o Mestre bem-amado!
- Tomé - respondeu-lhe docemente Jesus, com amargura -; tu representas a Humanidade... que só acredita no que lhe fere os sentidos corporais! "Bem-aventurados os que creem, vendo somente com os olhos da alma, que podem pressentir as verdades e as maravilhas eternas!"
- Senhor! - pôde dizer-lhe Marcos, enquanto o incrédulo Tomé soluçava - Vinde ficar eternamente conosco, livre dos vossos implacáveis inimigos, pois agora ninguém mais ousará supliciar-vos, porque já pertenceis às regiões celestes!
- Não se derrogam as Leis divinas, Marcos! Dai à Terra o que é da Terra, e, ao Céu, o que a este pertence! Apenas por instantes me é permitido estar convosco...
- Que dissestes? Senhor! Sois, acaso, um fantasma?!... - interpelaram diversos dos assistentes, afastando-se, aterrorizados.
- Já vistes um fantasma de carne e osso?! - perguntou Jesus, tentando desvanecer-lhes o susto, por saber quanto os judeus temiam as aparições, dominados que estavam por supersticioso temor.
- Ninguém mais, porém, ousou tocar-lhe no corpo sideral.
- Vamos cear como outrora! disse-lhes o Rabi, com doçura e tristeza, vendo-os perplexos e ainda temerosos de que Ele fosse um duende. A mesa do Cenáculo já estava com as iguarias sobre ela. Naquela época - como ainda acontece na atualidade - os assuntos graves eram, às vezes, tratados às horas de refeição, porque, assim, a assistência era mais numerosa e a atenção não se desviava, como sucede quando cada um fica em um local separado, tratando de vários temas. A reunião daquele dia foi conduzida para um assunto magno, convocada que fora por Pedro para que todos tomassem uma definitiva deliberação, sobre as circunstâncias em que se achavam; predominando entre eles o desejo de se dispersarem, eximindo-se dos compromissos e das responsabilidades, que haviam tomado, entre as quais, a de propagar o nascente Cristianismo.
- Visto não serdes um espectro, Senhor, muito nos alegra a vossa presença em nossa humilde ceia! - disse Pedro
Na mesa havia pão e peixe. Tomado um dos pães, que estavam sobre a alva toalha, Ele o partiu da mesma forma por que o fazia sempre; e, então, os discípulos disseram, entreolhando-se, admirados:
- Sois, realmente, o Mestre bem-amado!
E alguns choravam de alegria. Não sabiam os Apóstolos definir o fenômeno psíquico que ocorrera com o Rabi - que possuía em máximo grau, a faculdade de materializar e desmaterializar o que Ele quisesse, ao influxo de sua volição prodigiosa, podendo, assim, aumentar e diminuir os alimentos que suas mãos puríssimas tocassem.
Naquele momento Ele parecia alheio à observação dos Apóstolos. Indizível emoção vibrou em todos os corações ao certificarem-se da presença real do inolvidável Mestre. Jesus serenamente, translúcido e majestoso, tomou dos alimentos e repartiu-os pelos comensais. Estes, porém, cabisbaixos e perplexos, não erguiam os olhos dos pratos, não percebendo que, enquanto Ele orava, todas as partículas da iguaria, que reservara para si, iam sendo dissolvidas em átomos; e qual bruma das serranias, evolavam-se para o alto, integrando-se na atmosfera...
Ninguém o percebeu, mas, no final da ceia, ao dirigir-lhes a palavra o Mestre querido, todos o olharam maravilhados, tal o esplendor que Ele irradiava através de suas vestes etéreas e radiosas... Refletiram eles, então, que nem Jesus, nem suas vestes luminosas eram deste planeta, pois, segundo o costume judaico, Ele havia encerrado no sepulcro inteiramente despido, apenas envolto em lençóis, além do que, não podia haver na Terra uma túnica alvinitente igual à sua...
Os alimentos, por abençoados, causaram-lhes uma sensação indefinível; dir-se-ia que, apenas ingeridos pela boca, haviam penetrado, imediatamente, nos tecidos corporais, impregnando-se neles, em seus espíritos, refrigerando-os qual um éter delicadíssimo...
Jesus, vendo-os entristecidos, confortou-lhes os corações paternalmente.
Com doçura infinita, disse-lhes:
- Meus amigos e meus irmãos: já se consumou uma das missões que o Pai celestial me confiou: a de vos dar o exemplo vivo da humildade, e do sofrimento sem revoltas e sem impaciência... Sejam quais forem as nossas provas, não recusemos o cálice de amarguras; saibamos recebê-lo em nossas mãos, sorvendo-o até à derradeira gota, para que outras mais pungentes expiações não vibrem em nossas almas, nem os açoites de sofrimentos mais acerbos! Orai, orai sempre, e vigiai! Não temais os vossos adversários, mas as vossas transgressões às Leis divinas. Aqui estáveis reunidos pela última vez, pois todos vós, duvidando dos ensinamentos que vos ministrei, desejáveis abandonar os misteres celestes pelos terrestres... Agora, que já vistes a realidade do que preguei, não o fareis jamais! Fostes, novamente, unidos pelo Céu, que não alimenta só os vossos corpos mas vossos Espíritos combalidos e incrédulos, despertando neles energias desconhecidas...
Saturai vossas almas no amor mais sublime do Universo, o que se consagra a nosso Soberano Pai, alçando-Lhe os vossos corações contritos, impregnados das virtudes supremas... Recebestes uma excelsa missão que tendes de desempenhar a despeito de todos os obstáculos, transpondo abismos no passadiço das inquietações, escudados por inquebrantável Fé, atravessando os oceanos temerosos das revoltas morais, das injustiças, das perseguições e das dores tremendas, como se estivésseis em um bergantim que não naufraga nunca, com a coragem que aquela fagulha divina infunde nos Espíritos, tornando-os invencíveis!
Orai... e vigiai os vossos próprios sentimentos, irmãos queridos! Não vos esqueçais das minhas palavras e dos martírios que padeci por amor de todos os seres humanos, servindo de eterno exemplo para os que aspiram ao triunfo espiritual, renegando as coisas terrenas, conquistando, com lágrimas, labor e humilhações os bens imperecíveis, que nos transportam às regiões felizes do Universo!
Aqui me tendes, companheiros e amigos, após o cumprimento de uma missão dolorosa, para encetar outra, não menos cheia de responsabilidades, e cujo término não devo precisar ainda, porque atingirá muitos milênios porvindouros! Não me julgueis uma Entidade privilegiada, com poder para derrogar as Leis divinas, pois apenas sou um servo do incomparável Soberano, que muito já tem laborado na Seara bendita. Todos vós sereis algum dia o que, presentemente, eu sou. As leis supremas são justas e equitativas; não excluem nenhum ser na Escala maravilhosa da Evolução espiritual; todos ascendem dos mundos de trevas para os planos luminosos, que existem, em profusão, nos domínios do Infinito! Já conquistei algumas faculdades que vós ainda não possuis, todas somente para a prática do Bem; mas, no instante em que eu desejasse exercer uma desforra - fulminando os nossos infortunados adversários - perderia todos os triunfos já conquistados em séculos de provas pugentíssimas, e teria que enfrentar outras e mais penosas dificuldades... Não é fruindo gozos e regalias mundanas, nem exterminando inimigos (que são irmãos iniciantes nas jornadas do progresso espiritual), mas, vencendo nossas próprias imperfeições de caráter, nossas paixões nefastas, nossos impulsos aviltantes que a nossa alma se robustece na prática das virtudes, se depura de seus defeitos predominantes e adquire a contextura das dos justos!
Não é o abutre, vencendo pela força a tímida e frágil avezinha, que merece as bênçãos celestes, mas a ave cândida, de plumagem de neve, cujo olhar puríssimo não reflete os ardores da ferocidade.
Não é o Espírito engolfado em deleites, que degeneram em vilanias, o acolhido nas paragens de luz, mas o que, na Terra ou em outro planeta de expiações, é espezinhado, sofre os rigores dos maus ou dos que desconhecem as Leis do amor e da fraternidade, que regem a Criação! Nosso Pai ama a humildade, a mansidão, o ânimo sereno, sem brados de rebelião; o que sabe perdoar e esquecer as injúrias e as injustiças, que ferem as almas sensíveis!
Eu fracassei, no conceito da humanidade imperfeita; venci, porém, para a suma Perfeição do Universo!
Não queirais os triunfos da Terra, mas os do Céu. Não invejeis os soberanos, pois estes, às vezes, são mais desditosos do que os seus mais obscuros escravos, que não têm as lutas nem as responsabilidades deles.
Curvai vossas frontes nos momentos de ríspidas tribulações, e alçai os vossos corações ao Infinito, implorando conforto e coragem ao divino Semeador de estrelas pela amplidão sidéria! Quanto mais rigoroso é o cativeiro, mais se esfacelam os grilhões e se dilatam as asas brancas das almas redimidas, quando deixam o estreito ergástulo em que se achavam encarceradas, para cortarem a vastidão incomensurável do Espaço, sempre azul e florido de astros e nebulosas...
Ele, o pai misericordioso, acolhe sempre, compassivo, os rogos dos humildes de coração, e de desejos castos e dignificadores.
Eis-me aqui, após o término de espinhosa missão, apto para encetar outra, sem desfalecimentos! Somos servos submissos do Senhor do Universo e devemos obedecer-Lhe com desvelos e carinho de filhos, pois Ele nos ama e nos recebe - como o pai do filho pródigo - quando buscamos os seus braços afetuosos, o seu incomparável lar...
Quanto maior é o peso da cruz tanto mais valioso será o galardão e o mérito conquistados...
Não é com as regalias terrestres, vivendo sem apreensões, cercado de considerações e pompa que o Espírito triunfa das provas planetárias. Se vos sentirdes fracos para os embates das lutas da existência, suplicai força e denodo moral ao único Soberano da Criação, e Ele vo-las concederá em profusão. Ele nunca abandona quem Lhe implora bênçãos e proteção. Quando eu orava no Horto, antes das tribulações tremendas por que ia passar, por instantes, tive um desfalecimento, que, logo, foi desvanecido, pois, juntamente com o cálice de amarguras... eu auri, vindos do Alto, eflúvios balsâmicos que me deram o ânimo de que necessitava para o final desempenho de minhas acerbas angústias.
Pedi, pois, nos momentos aflitivos, e Ele vos enviará catadupas de consolações.
Ele não fornece pedras a quem Lhe implora um pão ou um consolo. Confiai, portanto, no Pai extremoso, abrindo-Lhe os corações, como se o fizésseis no vosso melhor amigo.
Confiai-Lhe vossos segredos, vossas angústias, vossas humilhações, e Ele vos dará conforto e inspirações salvadoras.
Não sois ovelhas abandonadas na Terra, à sanha dos lobos vorazes; estais à vista de um Pastor vigilante, que não deixa transviar-se nenhuma das que lhe foram confiadas, retirando-as do abismo do erro todas as vezes que nele se precipitarem; toma-as sobre os ombros luminosos e leva-as ao aprisco maravilhoso, onde não entram os tigres ferozes do Mal - o Céu - região bendita em que se abrigam os redimidos, os justos, os conversos ao Bem...
Tendes em vosso próprio íntimo o mais precioso de todos os tesouros, por mais destituídos que sejais dos bens terrenos: uma alma imortal, que, sendo às vezes de trevas, pode ser metamorfoseada em luz; e, sempre que o quiser, tem a faculdade de se rojar aos pés do Criador por meio de uma prece fervorosa! A prece é a simbólica escada de Jacob; estabelece estreita comunhão do Céu com a Terra; é o elo fúlgido que liga a criatura ao Criador; é o ascensor portentoso que liga os encarcerados na carne às mansões siderais!
Tende fé no que vos digo e sereis norteados para Deus, a suprema e incomparável maravilha do Universo. Orai e vigiai os vossos corações. Muitos séculos hão de escoar na ampulheta do tempo antes que, aqui, sejam definitivamente implantados os ideais remissores, transformados em magnas realidades.
Este planeta está quase no seu início. A corrupção lavra em quase todas as almas, qual incêndio devastador. Os sentimentos bons crestam-se às suas chamas consumidoras; hão de, porém, ressurgir das próprias cinzas, como a lendária Fênix, brancos e redivivos rivais dos mais belos raios solares!
Virá, nos últimos tempos, uma verdadeira tempestade de dores, que a todos atingirá; como se aproxima outra para os vossos dias, mas, depois da procela, que vai durar milênios; depois das refregas morais, de grande intensidade; depois das lutas fratricidas, que ensanguentarão o solo, destinado ao abrigo e ao plantio dos alimentos úteis à humanidade e a todos os viventes terrestres; após a vitória do despotismo, uma era bonançosa há de raiar, em que as criaturas serão libertas do Mal, e a Verdade excelsa - depois de ser tenazmente combatida - será implantada neste orbe como se fora um cedro de bronze eterno e inabalável!
Nunca façais o que possa prejudicar o próximo, seja qual for o motivo que tenhais contra ele, para que o remorso não conturbe as vossas almas; não sejais infratores dos Códigos sociais e divinos; não prolongueis indefinidamente vossas peregrinações no Vale dos Tormentos. Tomai vossas cruzes aos ombros, amigos e irmãos queridos, e parti a semear as verdades que aprendestes!
Cerrai vossos lábios às palavras de revolta, às murmurações, às censuras, às falsidades...
Santificai-os com as preces, as palavras de brandura, as consolações, a piedade, o perdão...
Por mais pesado que seja o madeiro, nunca vos faltará o arrimo dos Cirineus deste planeta e dos páramos celestes. Nunca estareis sós para a luta.
A projeção de minha alma irradiará sobre vós pensamentos que deveis por em execução. Parti pelo mundo vasto, com as bolsas vazias de moedas e os corações transbordantes do ouro da fé. A misericórdia divina suprirá o que vos falte. Sois eternos peregrinos, conquistadores de almas para o Aprisco celeste.
Ide lançar as sementes de luz, que já vos foram concedidas, e que germinarão nos Espíritos, transmudadas em sentimentos dignificadores.
Chamai-me, no âmago de vossas almas, e eu vos escutarei, pois estarei sempre vigilante, atento à voz das ovelhinhas que o Pai celeste me confiou. Não vou partir para o gozo perpétuo, que aniquila nas almas as nobres iniciativas, tornando-as inertes e indiferentes às lutas benditas que se travam pelo Universo inteiro; mas para a peleja eterna, de que sou um dos mais humildes Legionários de Deus! Vou partir para regiões siderais, ficando em vossos corações os meus ensinamentos, que permanecerão convosco nas horas de agonia que se aproximam...
Nunca olvidareis as minhas palavras, como eu não vos esquecerei jamais!
A cruz, em que fui supliciado, é o eterno emblema da excepcional missão que Deus me confiou: cravada no solo, os braços estendidos para o Infinito! Estarei, assim convosco, na Terra, e com o Pai celestial, nas Alturas consteladas.
Esgotei neste planeta, o cálice de amarguras, e assim vos sucederá, amigos meus!
O Gólgota será eternizado por todos os milênios, em todos os Espíritos. Ele simboliza a etapa final de todos os que, penosamente vergados ao peso das iniquidades e das expiações aspérrimas, vergastados pela dor, caminham pela Via-Crúcis das existências planetárias, deixando farrapos de almas pelo seu trajeto; mas, chegam, enfim, ao termo de todas as amaritudes, de todas as punições salvadoras, que são facetas abertas nos diamantes informes, para que mais brilhem e se tornem verdadeiros fragmentos de estrelas!
Lembrai-vos, sempre, de que é mister carregar o madeiro esmagador, sem um lamento, sem um gemido, deixando apenas que as lágrimas refrigerem os corações, qual neve dos píncaros do Himalaia!
Eu vos dei o exemplo de como se pode conquistar o Céu. Sustive nos ombros a avalancha das iniquidades, das injustiças, dos escárnios, até atingir o Gólgota, que começa na Terra e termina no Infinito! Soube calar nos momentos de angústia suprema. Fui humilhado, escarnecido, vilipendiado, vencido enfim, pelos pecadores, para triunfar para Deus Supremo, o Justo!
Este é o roteiro da redenção.
É penosamente que as almas torvas escalam as muralhas azuis do Firmamento, deixando de ser limo dos charcos, para se transformarem em luz resplandecente, rivais das águias altaneiras!
As que foram abatidas nas masmorras de trevas, serão exaltadas nos Impérios divinos, destinados aos conversos ao Bem.
Não compreendestes ainda a sublimidade da dor e da humildade, todos vós que vos rebelais contra elas, considerando-as adversárias... Abri-lhes os braços, qual eu o fiz no cimo do Gólgota: abençoai-as, santificai-as com resignação e serenidade espiritual!
Quem são os nossos inimigos, os nossos traidores, os nossos escarnecedores? Os que desconhecem as Leis divinas, os transgressores do mandamento supremo: "Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos", ou os que já infelicitamos em eras passadas...
Como resgatarão eles as suas perversidades, no transcurso dos séculos? Assim como feriram os nossos irmãos, também eles serão feridos, pois as espadas que empunhavam, para molestar os que consideravam adversários, serão conservadas pelos executores da Justiça eterna, e, mais tarde, traspassarão seus próprios corações, a fim de adquirirem a experiência de quanto torturam os apodos, a vindita, as tribulações, que infligiram a seus irmãos. Nunca sejais impiedosos, nem injustos. Procurai sondar as misérias humanas e concedei a todas as almas ulceradas de sofrimentos morais um lenitivo, uma palavra de compaixão, que, às vezes, vale mais do que as moedas metálicas, que não as penetram como raios de Sol, aquecendo-as com o calor da mais valiosa de todas as caridades: a Piedade!
Sublime é a vossa missão, mas repleta de tormentos e de decepções tremendas...
Não vos esqueçais, porém, de que os humildes de coração, os oprimidos, os espezinhados, serão exaltados; e os que forem injustos, não possuindo outro mérito além do despotismo e dos tesouros mal adquiridos, serão humilhados em posterior peregrinação terrena...
Vós sois o sal da Terra... Sim, vossas palavras, combatendo o erro e a corrupção, o egoísmo e as iniquidades, terão o poder de sanear as almas, que pareciam estar em plena putrefação moral, contaminadas dos pecados mais hediondos e vis...
Vossas palavras - que indicarão o roteiro do Céu, como o sal, que preserva as carnes de inevitável corrupção, livrarão os Espíritos da putrefação do Mal, tornando-os puros e sãos...
Ide, amigos, não mais para os vossos humildes misteres, mas para diversas paragens, transpondo mares e serranias, levando a todo sofredor - consolações e conselhos fraternos; transmitindo às turbas sequiosas das coisas celestes, verdades luminosas, que hão de ultrapassar os séculos...
Ide, e sereis amparados pelos Luminares das Regiões siderais. Nunca estareis sós para a luta. Eu vos seguirei, embora invisível, em todas as vossas peregrinações terrenas.
Eu vos ajudarei a suportar todas as dores, nas horas de acerbos padecimentos...
Eu vos receberei nos meus braços, eternamente abertos para acolher os redimidos, os que, transformados, asas dilatadas, cindirem as regiões serenas do Universo! Nunca achareis fechados estes braços que, perenemente, hão de disseminar conforto e perdão...
Vede-me, sempre, como no ápice do Gólgota, tentando abraçar a humanidade toda em um só amplexo de piedade e amor intraduzíveis...
Aprouve ao Pai e Senhor que eu vos transmitisse sua excelsa vontade: ligar o Céu à Terra por meu intermédio; estabelecer as Leis básicas da redenção; ensinar a sofrer e a aprimorar os Espíritos por meio do Bem e da prática de todos os deveres morais.
Meus braços se fecharão, em um amplexo amistoso, sobre a Humanidade sofredora, unindo-a em um só grilhão amoroso, mostrando-lhe o quanto é incomensurável a misericórdia divina, que enche o Universo, como Luz imperecível!
Assim dizendo, Jesus alçou as mãos alvinitentes para o Espaço ilimitado, a implorar uma bênção radiosa do Criador, para todos os que se achavam reunidos em nome da Majestade suprema; baixando-as, após, à altura de todas as frontes. Dir-se-ia que eram elas duas asas de neve, que adejassem sobre aqueles pecadores, conversos ao Bem, aprestando-se já para o voo eternal...
- Senhor, murmurou Pedro, lívido de emoção, ficai conosco, e não nos abandoneis jamais! Agora estais livre de vossos inimigos, por todo o sempre... Ficai, pois, ao nosso lado... sem que ninguém o saiba, confortando-nos com a vossa presença, e as vossas expressões inigualáveis! sereis um Pai e um irmão carinhoso a reanimar-nos, sempre que regressarmos de nossas dolorosas romagens...
- Amigos, tornou Ele, afastando-se um passo, com entonação de ternura e tristeza, eu tenho que partir para as regiões superiores, porque esta é a vontade do Soberano de toda a Criação, mas nunca vos abandonarei, nem a nenhum dos que trabalharem na Seara divina - agora ou no fim de todos o séculos!
- Como podeis ficar conosco, Senhor, se ides partir para as longínquas paragens celestiais? - perguntou Pedro, sensibilizado até às lágrimas, estendendo-lhe as mãos crispadas, desejosas de o prenderem.
- Pedro, amigo meu,não duvides mais de minhas palavras! Não conheces ainda todos os arcanos da alma - que é luz e pode irradiar seus raios através das maiores distâncias, como fazem os astros... Não vês o Sol, como, longe da Terra, pode aquecê-la e enviar até à profundidade dos abismos suas setas radiosas? Há Espíritos que têm o negror das trevas mais intensas, e, outros, que possuem o fulgor do Astro Rei. Destes, os pensamentos são fagulhas que devassam as mais negras sombras e percorrem as distâncias com mais vertiginosa rapidez que a luz dos raios estelares... Eu vou partir para o espaço incomensurável, mas ficarei convosco, e nenhum passo dareis sem que eu esteja presente... Chamai-me, com a voz da alma, que é a prece, repetindo a que vos ensinei, e nosso Pai clementíssimo permitirá que eu me comunique convosco, vos oriente, vos norteie para o Céu...
Urge, porém, amigos meus, que eu vos deixe, agora, sentindo um pesar bem acerbo - porque vejo que, alguns dentre vós, ainda são fracos e vacilantes... Consumou-se uma das etapas da minha missão, para iniciar outra mais arriscada ainda. Ide, também vós, pregar as verdades que conheceis. Vai, Pedro, pescar almas e corações para o Céu. Todos vós sereis generosamente recompensados, conforme o mérito que alcançardes. Não recueis diante dos perigos nem dos suplícios. Sabeis que ninguém poderá aniquilar a fagulha divina - o Espírito - e este, que é imortal, receberá o seu galardão! Não vos abandonarei jamais! Deus que vos abençoe e vos encoraje a cumprir, com denodo, vossos dolorosos encargos, nos quais alguns encontrarão o martírio... e a glória!
Todos os circunstantes, como sob o domínio de uma força potente, caíram genuflexos, e ouviram, atônitos, qual celeste sonoridade, um suavíssimo tanger de harpas dedilhadas por arcanjos, sentindo que aquela dulcíssima vibração lhes penetrara nos refolhos das almas emocionadas.
Subitamente, afastando-se até à porta, depois de os abençoar, Jesus estendeu novamente os braços - como se ainda estivesse crucificado, e, então, todos os presentes assistiram a um estranho fenômeno, inexplicável para eles, que o desconheciam e o temiam: a névoa alvinitente que formava o corpo exterior do Rabi, tornou-se bruscamente fúlgida, ou, antes, foi dissolvida, e logo substituída por indefinível resplandecência, que ofuscou todos os olhares; e penetraram nos Espíritos radiosidades inéditas, impregnando-os indelevelmente! Sua túnica pareceu-lhes tecida de raios do próprio Sol.
Então, aturdidos, curvaram as frontes até o solo, estarrecidos e deslumbrados, pelo esplendor que se irradiava do Nazareno, mormente no tórax, onde pulsava um rubro coração de luz...
Lentamente, Jesus, assim transfigurado, de lúcida transparência, foi-se aproximando da porta, pesada e intransponível para os seres materiais, mas que, às súbitas, se tornou translúcida, com os átomos desagregados, desenhando-se nela uma cruz rutilante, por onde Ele penetrou facilmente. Os apóstolos, como que magnetizados, pelo influxo daquela Entidade fulgurante - que se ia afastando deles, e cuja superioridade reconheceram, estavam todos fascinados e arrastados por sua vontade unicamente... Quando o Nazareno desapareceu, todos eles se ergueram e se precipitaram para Ele, e, abrindo a porta de par em par, viram-no, pairando ao Alto, tendo-se erguido de um só ímpeto, como que atraído pelo Céu azul e radioso, abençoando-os ainda, grave e triste, parecendo saudoso do mundo tétrico que ia deixando... E, assim, se foi alçando ao Espaço, formado a sua trajetória uma resplendente Via-Láctea, que ligava a Terra ao Infinito, até que desapareceu como se houvesse ficado reduzido a um átomo de estrela...
Absortos, emudecidos, eles se conservavam em prece, até que Pedro, ajoelhando-se, novamente, murmurou:
- Perdão, Senhor, perdão! Eu duvidei de Vós, algumas vezes, confesso, com indizível pesar! Sou um mísero pescador, e Vós uma Entidade celeste... que aqui esteve por momentos; e, por isso, não podemos agir da mesma forma! não me deixeis, porém, só, neste calabouço cheio de dores! Eu sou trevas apenas, e Vós, luz deslumbrante! Agora, mais do que outrora, tenho necessidade de Vós, pois em meu Espírito fizestes desabrochar faculdades desconhecidas e germinar a centelha imperecível da Fé; mas como sou fraco e sujeito às tentações do Espírito do mal! Auxiliai-me a ser digno de Vós e do Pai celestial!
Todos os companheiros de Pedro, tanto quanto ele, choravam; e, em conjunto, prestaram solene juramento de fidelidade ao Mestre querido, comprometendo-se a propagar as verdades que Ele lhes havia transmitido, com desprezo pela vida, por amor à sublime doutrina cristã.
A nova surpreendente, da aparição de Jesus, ou sua ressurreição, foi logo amplamente divulgada em Jerusalém e seus arredores. A Mãe puríssima do Rabi e suas leais companheiras lamentaram não se acharem presentes no Cenáculo, mas choraram de alegria por saberem que Ele proclamara uma verdade incontestável, triunfara de todas as provas e se alçara ao Céu; tiveram muito confortados os nobres corações, com a certeza absoluta de ter Ele subido para a glória e para o esplendor da Eternidade, isentando-se, por todo o sempre, de qualquer átomo de dor e de perfídia..."
NOTA DO COMPILADOR: Dentre as frases proferidas acima pelo Cristo, todas elas úteis para o nosso aprendizado, destacam-se duas delas que se referem o término de sua missão na Terra, e que teria de iniciar outra missão mais difícil ainda. Em verdade Ele, como um Espírito evoluído, não poderia deixar de alertar a Humanidade que devemos trabalhar e lutar pelo nosso aperfeiçoamento. Sempre teremos missões a cumprir. Numa terceira frase o Mestre afirma que todos serão iguais a Ele; evidentemente, isso acontecerá após um sem-número de encarnações.